Ele era genial, teve uma carreira longa
e produtiva, e até o dia 3 de julho os paulistanos terão a oportunidade de conhecer sua obra. Estou falando de Cícero Dias, o artista pernambucano que é tema de uma grande mostra no CCBB em São Paulo, denominada 'Cícero Dias – Um percurso poético 1907-2003'. Este é o segundo post, de uma
série de três, sobre a exposição do artista. Ocorre que a carreira de Cícero é tão rica e
abrangente, que uma só matéria não seria suficiente para abarcar tantas coisas
interessantes que vi por lá. Estão na mostra mais de 120 obras do artista pernambucano,
pertencentes a coleções nacionais e internacionais.
No primeiro post, falei sobre a
fase inicial de Cícero na década de 20, sua primeira exposição, realizada em
1928 no Rio de Janeiro, e parte de sua produção na década de 30. Aqui no Brasil
Cícero fez sucesso entre os modernistas com suas aquarelas sensuais, lúdicas e
também caóticas que remetiam às suas memórias de infância num engenho de
cana-de-açúcar e suas aventuras urbanas no Recife e no Rio de Janeiro.
Neste post, vou abordar a primeira fase
de Cícero Dias na Europa, sua chegada a Paris e a mudança para Lisboa após a eclosão
da Segunda Guerra Mundial, abarcando a década de 40 até o início de sua transição para o abstracionismo.
Perseguido pela ditadura de Getúlio Vargas,
o artista viajou a Paris em 1937, convencido por ninguém menos que Di
Cavalcanti. Sim, o moço era muito bem relacionado por aqui. No final, a mudança
para Paris acabou se revelando a melhor coisa que ele poderia ter feito. Cícero integrou-se na hora à Cidade-Luz e, em 1938, fez sua primeira exposição por
lá, na Galeria Jeanne Castel. A exposição foi sucesso de público, crítica e
vendas e, não por acaso, o crítico de arte André Salmon chamou-o de "selvagem
esplendidamente civilizado".
Foto de Picasso com dedicatória: "Lembrança para Dias - Seu amigo Picasso" |
Não tardou para que Cícero fizesse
amizade com grandes personagens como Picasso, Matisse e os poetas Paul Éluard e
Blaise Cendras, dentre muitas outras figuras de destaque da intelectualidade
francesa. Aliás, poucos artistas brasileiros se integraram tão bem quanto ele
aos vanguardistas da arte europeia.
O velho clichê de dizer que alguém
estava no lugar certo, na hora certa, se aplica muito bem a Cícero Dias. Tanto é
verdade, que foi em Paris que ele também conheceria Raymonde, sua futura esposa,
e onde nasceria sua amada filha Sylvia. Com tanto sucesso e tantos vínculos
afetivos na França, dá para entender por que o artista nunca mais moraria no
Brasil, embora as reminiscências de sua terra natal nunca tivessem abandonado sua
obra.
Cícero Dias, Picasso e a pequena Sylvia Dias, filha do artista. |
A jovem Raymonde Voraz (1918-2013) trabalhava com a irmã numa casa de alta-costura em Paris. Ela havia posado para um pintor espanhol chamado Macieira e, um dia, no ano de 1941, encontrou-o no metrô na companhia de Cícero. Foram apresentados e, na mesma hora, Cícero, que não era bobo nem nada, convidou a moça a tomar um café em sua casa, na companhia da irmã. Vale dizer que o café era um artigo raro e de luxo em tempos de guerra. Raymonde ficou encantada com aquele brasileiro e logo o artista passou a frequentar a casa de sua família.
Quando eclodiu a Segunda Guerra Mundial, em
1939, Cícero chegou a ser preso em Baden-Baden, para uma troca de prisioneiros,
e foi responsável por levar a poesia "Liberté", de Éluard, para fora da França,
então ocupada pelos nazistas. Impressa pelos Aliados, a poesia foi lançada de
avião sobre Paris, para dar um ânimo extra à Resistência. Por ter corrido esse
risco em favor dos Aliados, Cícero Dias foi até condecorado ao fim da guerra.
Nesses anos turbulentos, Cícero e Raymonde
se casaram em Lisboa e fixaram residência na cidade até o fim do embate. Tem
início, então, uma fase de transição. Numa tentativa de exorcizar o fantasma da
guerra que ainda acontecia, o artista usa cores fortes, "fauvistas", cometendo
grandes audácias no cromatismo e no traço. Ao mesmo tempo, simplifica o
desenho. Não raro, seu trabalho foi executado em condições precárias devido às
dificuldades de então. As formas tornam-se mais curvas e começa a nascer a
semente do abstracionismo.
A obra abaixo foi realizada nesse
período e retrata uma Raymonde radiante, envolta em luz, numa imagem que em nada
lembra as agruras da guerra.
Cícero Dias - 'Raymonde' (década de 40) - óleo s/ tela - Coleção Sylvia Dias Dautresme, Paris Foto: Simone Catto |
Cícero Dias - 'Distante' (1940) - óleo s/ tela - Coleção Família Picasso - Foto: Simone Catto |
Cícero Dias - 'Sem título' (c.1940-42) - aquarela e nanquim s/ papel Coleção Sylvia Dias Dautresme, Paris - Foto: Simone Catto |
Cícero Dias - 'Sem título' (1940-44) - aquarela e lápis de cor s/ papel Coleção Maxime Dautresme, Hong Kong - Foto: Simone Catto |
Cícero Dias - 'Mulher sentada com espelho' (1944) - óleo s/ tela - Coleção Cnateaubriand, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro - Foto: Simone Catto |
Cícero Dias - 'Maternidade' (1944) - óleo s/ tela - coleção particular - Foto: Simone Catto |
Cícero Dias - 'Sala de Música' (década de 40) - óleo s/ tela - coleção particular - Foto: Simone Catto |
Nas tela abaixo, Cícero já rompe totalmente com o figurativismo, e a guerra nem havia acabado. Segundo informações da exposição, ele é o primeiro artista brasileiro a trabalhar com a vertente abstrata.
Cícero Dias - 'Multiplicidade' (1944) - óleo s/ placa de madeira aglomerada - Coleção Maxime Dautresme, Hong Kong Foto: Simone Catto |
Quando Cícero retornou a Paris, no fim da guerra, a abstração foi tomando cada vez mais conta de seu trabalho. Mas isso é assunto para o próximo post!
Clique aqui para conferir a primeira fase de Cícero Dias na exposição do CCBB.
E aqui, confira a última fase do artista em Paris!
Visite: 'CÍCERO DIAS – UM PERCURSO POÉTICO 1907-2003' - Centro Cultural Banco do Brasil – R. Álvares Penteado, 112 – Centro – São Paulo. Tel.: (11) 3113-3671/3652 - de quarta a segunda, das 9h às 21h. Entrada franca. Até 3/7.
E aqui, confira a última fase do artista em Paris!
Cícero e Raymonde no ateliê em Villa d'Alesia, Paris, 1946 |
Visite: 'CÍCERO DIAS – UM PERCURSO POÉTICO 1907-2003' - Centro Cultural Banco do Brasil – R. Álvares Penteado, 112 – Centro – São Paulo. Tel.: (11) 3113-3671/3652 - de quarta a segunda, das 9h às 21h. Entrada franca. Até 3/7.
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