terça-feira, 27 de junho de 2017

Cícero Dias no CCBB (parte 2): Sedução na Europa com cor e caos.

Ele era genial, teve uma carreira longa e produtiva, e até o dia 3 de julho os paulistanos terão a oportunidade de conhecer sua obra. Estou falando de Cícero Dias, o artista pernambucano que é tema de uma grande mostra no CCBB em São Paulo, denominada 'Cícero Dias – Um percurso poético 1907-2003'. Este é o segundo post, de uma série de três, sobre a exposição do artista. Ocorre que a carreira de Cícero é tão rica e abrangente, que uma só matéria não seria suficiente para abarcar tantas coisas interessantes que vi por lá. Estão na mostra mais de 120 obras do artista pernambucano, pertencentes a coleções nacionais e internacionais.

No primeiro post, falei sobre a fase inicial de Cícero na década de 20, sua primeira exposição, realizada em 1928 no Rio de Janeiro, e parte de sua produção na década de 30. Aqui no Brasil Cícero fez sucesso entre os modernistas com suas aquarelas sensuais, lúdicas e também caóticas que remetiam às suas memórias de infância num engenho de cana-de-açúcar e suas aventuras urbanas no Recife e no Rio de Janeiro.

Neste post, vou abordar a primeira fase de Cícero Dias na Europa, sua chegada a Paris e a mudança para Lisboa após a eclosão da Segunda Guerra Mundial, abarcando a década de 40 até o início de sua transição para o abstracionismo.

Foto de Picasso com dedicatória:
"Lembrança para Dias - Seu amigo Picasso"
Perseguido pela ditadura de Getúlio Vargas, o artista viajou a Paris em 1937, convencido por ninguém menos que Di Cavalcanti. Sim, o moço era muito bem relacionado por aqui. No final, a mudança para Paris acabou se revelando a melhor coisa que ele poderia ter feito. Cícero integrou-se na hora à Cidade-Luz e, em 1938, fez sua primeira exposição por lá, na Galeria Jeanne Castel. A exposição foi sucesso de público, crítica e vendas e, não por acaso, o crítico de arte André Salmon chamou-o de "selvagem esplendidamente civilizado".

Não tardou para que Cícero fizesse amizade com grandes personagens como Picasso, Matisse e os poetas Paul Éluard e Blaise Cendras, dentre muitas outras figuras de destaque da intelectualidade francesa. Aliás, poucos artistas brasileiros se integraram tão bem quanto ele aos vanguardistas da arte europeia.

O velho clichê de dizer que alguém estava no lugar certo, na hora certa, se aplica muito bem a Cícero Dias. Tanto é verdade, que foi em Paris que ele também conheceria Raymonde, sua futura esposa, e onde nasceria sua amada filha Sylvia. Com tanto sucesso e tantos vínculos afetivos na França, dá para entender por que o artista nunca mais moraria no Brasil, embora as reminiscências de sua terra natal nunca tivessem abandonado sua obra.

Cícero Dias, Picasso e a pequena Sylvia Dias, filha do artista.
A jovem Raymonde Voraz (1918-2013) trabalhava com a irmã numa casa de alta-costura em Paris. Ela havia posado para um pintor espanhol chamado Macieira e, um dia, no ano de 1941, encontrou-o no metrô na companhia de Cícero. Foram apresentados e, na mesma hora, Cícero, que não era bobo nem nada, convidou a moça a tomar um café em sua casa, na companhia da irmã. Vale dizer que o café era um artigo raro e de luxo em tempos de guerra. Raymonde ficou encantada com aquele brasileiro e logo o artista passou a frequentar a casa de sua família.

Quando eclodiu a Segunda Guerra Mundial, em 1939, Cícero chegou a ser preso em Baden-Baden, para uma troca de prisioneiros, e foi responsável por levar a poesia "Liberté", de Éluard, para fora da França, então ocupada pelos nazistas. Impressa pelos Aliados, a poesia foi lançada de avião sobre Paris, para dar um ânimo extra à Resistência. Por ter corrido esse risco em favor dos Aliados, Cícero Dias foi até condecorado ao fim da guerra.

Nesses anos turbulentos, Cícero e Raymonde se casaram em Lisboa e fixaram residência na cidade até o fim do embate. Tem início, então, uma fase de transição. Numa tentativa de exorcizar o fantasma da guerra que ainda acontecia, o artista usa cores fortes, "fauvistas", cometendo grandes audácias no cromatismo e no traço. Ao mesmo tempo, simplifica o desenho. Não raro, seu trabalho foi executado em condições precárias devido às dificuldades de então. As formas tornam-se mais curvas e começa a nascer a semente do abstracionismo.

A obra abaixo foi realizada nesse período e retrata uma Raymonde radiante, envolta em luz, numa imagem que em nada lembra as agruras da guerra.

Cícero Dias - 'Raymonde' (década de 40) - óleo s/ tela - Coleção Sylvia Dias Dautresme, Paris
Foto: Simone Catto

Cícero Dias - 'Distante' (1940) - óleo s/ tela - Coleção Família Picasso - Foto: Simone Catto

Cícero Dias - 'Sem título' (c.1940-42) - aquarela e nanquim s/ papel
Coleção Sylvia Dias Dautresme, Paris - Foto: Simone Catto

Cícero Dias - 'Sem título' (1940-44) - aquarela e lápis de cor s/ papel
 Coleção Maxime Dautresme, Hong Kong - Foto: Simone Catto

Cícero Dias - 'Mulher sentada com espelho' (1944) - óleo s/ tela - Coleção Cnateaubriand,
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro - Foto: Simone Catto

Cícero Dias - 'Maternidade' (1944) - óleo s/ tela - coleção particular - Foto: Simone Catto

Cícero Dias - 'Sala de Música' (década de 40) - óleo s/ tela - coleção particular - Foto: Simone Catto

Nas tela abaixo, Cícero já rompe totalmente com o figurativismo, e a guerra nem havia acabado. Segundo informações da exposição, ele é o primeiro artista brasileiro a trabalhar com a vertente abstrata.

Cícero Dias - 'Multiplicidade' (1944) - óleo s/ placa de madeira aglomerada - Coleção Maxime Dautresme, Hong Kong
Foto: Simone Catto

Quando Cícero retornou a Paris, no fim da guerra, a abstração foi tomando cada vez mais conta de seu trabalho. Mas isso é assunto para o próximo post!   

Clique aqui para conferir a primeira fase de Cícero Dias na exposição do CCBB.

E aqui, confira a última fase do artista em Paris!


Cícero e Raymonde no ateliê em Villa d'Alesia, Paris, 1946

Visite: 'CÍCERO DIAS – UM PERCURSO POÉTICO 1907-2003' - Centro Cultural Banco do Brasil – R. Álvares Penteado, 112 – Centro – São Paulo. Tel.: (11) 3113-3671/3652 - de quarta a segunda, das 9h às 21h. Entrada franca. Até 3/7.

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