quarta-feira, 28 de junho de 2017

Cícero Dias no CCBB (parte 3): Paris abraça o mestre dos trópicos.

Este é o último de uma série de três posts sobre a exposição 'Cícero Dias – Um percurso poético 1907-2003', no Centro Cultural Banco do Brasil - SP, que abarca a trajetória do artista pernambucano que nasceu no engenho e conquistou o Velho Mundo.

Cícero teve uma vida longa, produtiva e feliz, marcada por muito trabalho e cercada por muitos afetos. Afeto por sua terra natal, por sua esposa Raymonde, pela filha Sylvia, pelos incontáveis e ilustres amigos e por sua própria arte, por ela se tornar o canal pelo qual podia expressar todo esse amor que explodia dentro dele.

No primeiro post, falei sobre a fase inicial e figurativa do artista, ainda no Brasil. No segundo, contei como sua carreira se desenvolveu após sua mudança para a Europa, em 1937.

Agora é hora de falar da produção de Cícero após o final da Segunda Guerra Mundial, quando ele já estava definitivamente estabelecido em Paris. Sabemos que, durante a guerra, o artista mudou-se para Lisboa para ter um pouco de paz, e lá se casou com Raymonde. Quando a guerra acabou, Picasso, que era muito seu amigo, pediu-lhe que voltasse a Paris lhe enviando um exemplar de sua peça de teatro surrealista "Le Désir Attrapé par la Queue" ("O Desejo Capturado pelo Rabo"), com a seguinte dedicatória: "Para Dias, cuja presença em Paris é necessária." E assim, Cícero voltou à França, ligando-se em seguida à Escola de Paris e ao grupo de artistas abstratos que expunha na Galerie Denise René. Alguns de seus amigos e admiradores, como Manuel Bandeira, não gostaram muito do novo estilo artístico do mestre. Gilberto Freyre, por outro lado, teve um olhar mais compreensivo para a nova arte do amigo que havia ilustrado a capa da primeira edição de seu clássico "Casa Grande e Senzala", em 1933.  

Em Paris, Cícero teve uma vida cultural agitada. (Mas cá entre nós: como não ter uma vida cultural agitada em Paris? É matematicamente impossíve, rs...) O fato é que Cícero adotou a abstração plena, criando pinturas vibrantes, quentes, com cores intensas que evocam a luminosidade dos trópicos. Sua arte tornou-se ainda mais livre e instintiva. Os europeus, enfeitiçados com tanta vida, adoraram e aplaudiram.

Cícero Dias - 'Composição' (década de 40) - óleo s/ tela - Coleção Flávia e Waldir Simões de Assis Filho
Foto: Simone Catto

Embora nunca mais tivesse residido no Brasil, em 1948 o artista fez uma viagem para cá e pôde matar um pouco a saudade de sua terra. Na ocasião, executou várias pinturas murais abstratas na sede da Secretaria de Finanças do Estado de Pernambuco, no Recife. Essas obras foram consideradas as primeiras pinturas abstratas na América Latina e causaram celeuma à época.

Ainda no Brasil, ele aproveitou para fazer uma viagem ao Nordeste ao lado de um time para lá de respeitável: Rubem Braga, Mário Pedrosa, Orígenes Lessa e José Lins do Rego. Queria ter ouvido as conversas dessa turma!

Aqui no Brasil, o movimento construtivista só começou no final da década de 40. Cícero Dias foi o pioneiro que, em Paris, começou a pintar telas geométricas. Porém, mesmo fazendo parte da Escola de Paris, nunca renegou suas raízes brasileiras.

Cícero Dias - 'Sem título' (1951) - óleo s/ tela - Coleção MAC/USP
Foto: Simone Catto

No final dos anos 50 e início dos 60, o artista parece ter sentido uma espécie de nostalgia e fez um retorno à figuração, com imagens de sua juventude e lembranças do Recife. Mais do que simplesmente retornar às origens, porém, ele enriqueceu essas memórias afetivas incorporando as descobertas e aprendizados artísticos que acumulou ao longo de toda a vida. Nessa fase, as narrativas são menos fantasiosas, mas a cor torna-se ainda mais densa.

A obra a seguir exemplifica bem essa nova etapa. Conforme a inscrição que acompanha a pintura no CCBB, "...o artista rememora uma festa de família ao ar livre, com mesa farta e muita música. Ao fundo, uma igreja branca pousa sobre a colina de areia muito clara, tendo no seu flanco uma fileira de casas coloridas recortadas sobre o mar. Todos os elementos caros ao artista se reúnem nesse trabalho cujo título, não por acaso, é Nostalgia."

Cícero Dias - 'Nostalgia' (década de 50) - óleo s/ tela - Coleção Instituto São Fernando - Foto: Simone Catto
  
Cícero Dias - 'Infância em Boa Viagem' (década de 50) - óleo s/ tela
Coleção Beatriz e Fernando Xavier Ferreira - Foto: Simone Catto

Cícero dias - 'Figuras no Pátio' (década de 50) - óleo s/ tela
Coleção Flávia e Waldir Simões de Assis Filho - Foto: Simone Catto

Abaixo temos uma "composição idílica, sensual e musical" na qual uma vegetação exuberante se funde ao colorido casario, destacando a alvura de uma mulher seminua que está de costas para o seresteiro.

Cícero Dias - 'Seresta' (1950-69) - óleo s/ tela - coleção particular - Foto: Simone Catto

A partir de 1960, Cícero começou a desenvolver uma pesquisa geométrica denominada "Entropias", na qual fez um mergulho nas possibilidades do uso da tinta, sem nenhum planejamento formal prévio. Nessas obras, ele deixava a tinta escorrer e se misturar com as outras, até se esvair - veja a obra abaixo. A propósito, uma das definições de "entropia", segundo o dicionário Houaiss, é a medida da "desordem em um sistema", ou medida da "imprevisibilidade da informação". Mais uma marca da liberdade do artista que não se prendia a nenhuma escola!

Cícero Dias - 'Sem título' (década de 60) - óleo s/ tela - Coleção Maxime Dautresme, Hong Kong - Foto: Simone Catto

Cícero Dias - 'Composição IV' (1962) - óleo s/ tela - Museu Oscar Niemeyer - Foto: Simone Catto

Cícero Dias - 'Interior' (década de 70´) - óleo s/ tela -  coleção particular, Curitiba - Foto: Simone Catto

Cícero Dias e sua filha Sylvia no ateliê, 1996

Conheça as outras matérias do blog sobre a exposição Cícero Dias no CCBB!



Ainda não visitou a exposição? Corra que só vai até o dia 3 de julho!

Anote: 'CÍCERO DIAS – UM PERCURSO POÉTICO 1907-2003' - Centro Cultural Banco do Brasil – R. Álvares Penteado, 112 – Centro – São Paulo. Tel.: 3113-3671/3652 - de quarta a segunda, das 9h às 21h. Entrada franca. Até 3/7.

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