Além
das Montanhas se passa numa gélida Romênia, país
visivelmente depauperado por décadas de atraso do Leste Europeu. O cenário é uma
espécie de monastério ortodoxo de freiras, situado no meio do nada, dirigido com
parcos recursos por um padre (Valeriu Andriuta) e uma madre superiora (Dana
Tapalaga).
Voichita (Cosmina Stratan), ao centro, em cena típica do monastério. |
O
filme começa quando uma das noviças, Voichita (Cosmina Stratan), vai à estação ferroviária
receber sua amiga Alina (Cristina Flutur), colega do orfanato onde ambas cresceram juntas. Alina,
uma jovem de 25 anos que até então estava morando na Alemanha, vai para a
Romênia firmemente decidida a buscar a amiga para que continuem a viver juntas.
Fica claro, desde o princípio, que a moça agiu movida por um sentimento que vai
muito além da amizade, mas que a amiga, se um dia lhe correspondera, havia
agora escolhido outro caminho – a renúncia de uma vida mundana para servir a
Deus. E é aí que começam os problemas.
Voichita (Cosmina Stratan) e Alina (Cristina Flutur) em sua cela no monastério. |
O
convento tem regras rígidas impostas a mão de ferro pelo padre e endossadas
pela madre superiora, e as moças dividem entre si diversas tarefas de uma pesada rotina de trabalho: tirar água do poço, limpar, cozinhar, fazer consertos,
rezar etc. Alina, hospedada no lugar, não se conforma com o fato de Voichita
ter escolhido aquela vida e começa a se rebelar contra os indícios de fanatismo
religioso e os dogmas nos quais claramente não acredita. A moça não consegue
guardar para si suas convicções e, num crescendo de tensão, acaba por se
descontrolar e surtar, fazendo com que os religiosos a considerem "possuída
pelo demônio". Não é difícil prever que as consequências são as
mais nefastas possíveis.
O padre (Valeriu Andriuta) tenta expiar Alina (Cristina Flutur) de seus pecados na capela do monastério. |
Alguém
poderia afirmar que, se a personagem de Voichita havia optado por aquela vida
de privações, é porque teoricamente estaria feliz ali e a amiga não tinha o
direito de interferir em sua escolha. Bastaria que fosse embora e procurasse outra forma de também ser feliz.
Por
outro lado, é inevitável questionar até que ponto aquelas moças haviam optado
pela vida monástica por uma vocação genuína ou se não o haviam feito por mera falta
de perspectivas, já que a maioria não teria chances de assegurar uma existência
digna e aplacar sua solidão de outra maneira numa Romênia árida e hostil. Vale
lembrar que Voichita é órfã e não possui ninguém no mundo além de Alina, de
forma que o convívio com as colegas do convento, de certa forma, é aquilo que mais se aproxima de uma vida em família.
Apesar de toda a lavagem cerebral doutrinária e da alienação a que as jovens estão submetidas, portanto, somos levados a concluir que consideram ser ali o lugar "menos ruim" onde poderiam estar.
Merecidamente,
Além
das Montanhas ganhou dois prêmios no último Festival de Cinema de
Cannes: roteiro, do também diretor Cristian
Mungiu, e atriz principal, prêmio que foi dividido entre as intérpretes das
duas amigas: Cosmina Stratan (Voichita)
e Cristina Flutur (Alina), simplesmente soberbas. Nem preciso dizer que o filme vale cada um de
seus 155 minutos, os quais nem sentimos passar pela constante tensão que permeia
a trama e que nos deixa sempre na expectativa do pior.
Nenhum comentário:
Postar um comentário