A primeira delas, pintada provavelmente entre 1820-22, está no
nosso MASP – Museu de Arte de São Paulo. Por isso a série foi tema da aula de
setembro do Prof. Renato Brolezzi que, a cada mês, ministra uma magnífica aula
de história da arte no Grande Auditório do museu, com base em uma obra do
acervo. As aulas são gratuitas e concorridíssimas. O auditório fica tão lotado
que, na última vez, como cheguei um pouco atrasada, só consegui sentar no chão!
E eu não era a única. Mérito do Prof. Brolezzi, que consegue ensinar história
da arte de uma maneira cheia de erudição e, ao mesmo tempo, extremamente simpática e divertida.
'A Catedral de Salisbury Vista do Jardim do Bispo' (c.1820-2), na versão que está no MASP. |
E quem foi John Constable? Os registros deixados mostram que foi
um homem extremamente bonito e refinadíssimo. Era um grande retratista, mas
preferia retratar a natureza. Paisagista magistral, era obcecado por captar a
complexidade dos cenários naturais. Isto significa que, muitas vezes, não se contentava
em retratar uma versão só de uma paisagem. Explorava-a ao máximo, retratando-a
sob diferentes aspectos, céus, climas e atmosferas, até julgar ter esgotado
todas as possibilidades de abarcá-la. Constable não descansava enquanto não
conseguisse capturar toda e qualquer nuance do cenário. É o caso da série das
catedrais de Salisbury.
Retrato de Constable feito por Ramsey Richard Reinagle em 1799. Dá para ver que era um homem muito bonito! |
Essa questão de retratar a mesma paisagem em horários e
atmosferas diferentes nos remete, inevitavelmente, à escola de pintura mais
amada do mundo: o Impressionismo. Podemos dizer, inclusive, que a gênese do
Impressionismo já se encontrava aí, nessas paisagens inglesas. As condições
ideológicas já estavam lá. Contudo, uma grande diferença as separa daquele movimento: os pintores
impressionistas pintavam en plein air,
isto é, ao ar livre. Pegavam seus cavaletes, suas tintas e se plantavam diante
da paisagem que desejavam retratar. Constable, ao contrário, fazia no local
desenhos e esboços das paisagens, mas as pintava mais tarde, no ateliê.
A propósito, várias das telas da catedral foram encomendadas
pelo bispo local, Dr. John Fischer, que era amigo íntimo do artista. São
paisagens delicadas, aprazíveis, pitorescas, belas. O oposto das paisagens
ditas "sublimes" que, ao contrário, são dramáticas, eloquentes e, normalmente,
de grande porte. A questão da oposição entre os conceitos de "belo" e "sublime" foi muito enfatizada pelo Prof. Brolezzi na aula, que mencionou um importante
tratado filosófico denominado "Uma Investigação Filosófica sobre a Origem de
Nossas Ideias do Sublime e do Belo", de 1757, de autoria de outro inglês:
Edmundo Burke.
'A Catedral de Salisbury Vista do Jardim do Bispo' (1823), versão que está no Victoria & Albert Museum, em Londres. |
Segundo o Prof. Brolezzi, "o estudo do invisível para retratar o
visível" estava na essência da pintura inglesa, cuja técnica sempre estava a
serviço do pensamento. A ideia da "tentativa de decifração do mundo" era muito
presente. A esse respeito, gostei muito de uma frase do professor: "Degustar
com os olhos o visível nos conduz ao conhecimento do mundo". É isso aí. Quem observa, aprende!
O site da Frick Collection (www.frick.org), em Nova York, afirma que a primeira
versão da Catedral foi feita a pedido do bispo e é a mostrada acima, que está no Victoria &
Albert Museum (www.vam.ac.uk). Tive a oportunidade de vê-la ao vivo, em Londres. Supostamente,
esta versão teria sido pintada em 1823. Consta que, como essa pintura mostrava
um céu pesado e sombrio, não agradou ao bispo e Constable pintou uma versão
mais amena, com um céu ensolarado e uma composição mais aberta – esta outra está na Frick Collection e teria sido criada em 1826. No entanto, a versão do Masp está datada como sendo de 1821-22 e,
portanto, seria anterior àquela que o museu americano afirma ser a primeira.
Seja qual for a informação correta, o fato é que em todas elas o
artista incluiu a figura do bispo apontando a Catedral para a esposa. A jovem
com a sombrinha, que vemos ao fundo, é provavelmente uma das filhas do casal. O
bispo faleceu à época em que a pintura foi concluída, mas ela foi adquirida
pela família. Veja, abaixo, a versão da Frick Collection.
'A Catedral de Salisbury Vista do Jardim do Bispo' (1826), versão que está na Frick Collection, New York. |
Detalhe da obra da Frick: o bispo, sua esposa e a moça com a sombrinha. |
Devido à extensa riqueza cromática e de pormenores, as pinturas de
Constable pedem um olhar mais atento e demorado, não foram feitas para ser
vistas às pressas numa sala lotada de museu. São pinturas que merecem ser
contempladas, cuidadosamente avaliadas e absorvidas em todos os seus detalhes. É
óbvio que as reproduções em papel e na web, por melhores que sejam, nunca darão
uma ideia real de sua complexidade. Por isso, vale a pena dar um pulo no MASP e
conferir pessoalmente a nossa versão da Catedral de Sailsbury.
Também pude conferir pessoalmente 'O Carro de Feno' (1821), obra mais famosa de Constable, na National Gallery, em Londres. |
Tudo isso foi explicado na aula do Prof. Renato Brolezzi, da Unicamp, ministrada
sábado passado no MASP. A próxima aula será no dia 6 de outubro e, como é de
praxe, abordará outra obra do acervo do museu: 'A Canoa sobre o Epte' (c. 1890),
de Claude Monet. Todas as aulas são gratuitas, acontecem das 11h às 13h e dão
direito a um certificado que permite a entrada - também gratuita - no museu. Imperdível
para os amantes da arte!!
Dica: depois da aula, caminhe alguns quarteirões e aproveite
para almoçar no Gopala Hari, na Rua Antônio Carlos! O menu, aos sábados, é uma
delícia. Eu que o diga.
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