Aubrey Beardsley - 'Autorretrato' - 1892 Museu Britânico - Londres |
O GÊNIO ADOLESCENTE
A carreira artística de Beardsley foi breve,
durando pouco menos de sete anos, entre 1891 e 1898. Quando tinha 18 anos, ele conheceu
o pintor pré-rafaelita Edward Burne-Jones, o qual admirava profundamente. Ao
ver o portfólio de Beardsley, Burne-Jones, que de bobo não tinha nada, comentou: "Eu raramente ou nunca aconselho alguém a
assumir a arte como profissão, mas no seu caso não posso fazer mais nada." Não poderia ter sido mais profético. Por recomendação de seu ídolo, o jovem artista assistiu, durante um tempo, às
aulas na Westminster School of Art.
Beardsley ansiava por fama e
reconhecimento e cultivou, como ninguém, uma autoimagem de dândi e esteta. Esse caráter é identificado em seus inúmeros autorretratos e também em
retratos do artista realizados por seus contemporâneos. Espirituoso, alto, "impecavelmente limpo e bem arrumado", Beardsley logo se destacou por
seu dandismo. Caracterizado pelo culto ao refinamento e por uma certa artificialidade,
tanto nos trajes quanto nos modos, o dandismo era uma postura inerente à estética decadentista. Alguns contemporâneos, inclusive, relacionaram a extrema
magreza e a aparência física frágil do artista a ideias de morbidade também
associadas ao espírito decadente do fin
de siècle. Embora Beardsley rejeitasse esse rótulo, seu trabalho explora
muitos desses aspectos, como o fascínio pelo "antinatural" e o
bizarro, pela liberdade sexual e a fluidez de gênero.
Aquilo que o mundo de hoje identifica
como estética LGBTQIA+ estava apenas começando a se delinear naquele tempo. Beardsley
se sentia atraído pelas mulheres, mas foi pioneiro em representar o que muitos
atualmente denominariam como queer. Embora
fosse fascinado por todos os aspectos da sexualidade, é provável que suas
experimentações nesse sentido tenham ocorrido principalmente na literatura e na
arte.
Foto de Beardskey por Frederick Evans - 1893 Wilson Centre for Photography - Londres |
A INDEPENDÊNCIA FINANCEIRA
No início de 1892, Beardsley recebeu
sua primeira encomenda importante. Um amigo, o fotógrafo e livreiro Frederick H.
Evans, o apresentou a J.M. Dent, editor enérgico e empreendedor que procurava
um ilustrador para Le Morte D'Arthur,
a versão do século XV de Sir Thomas Malory das lendas do Rei Arthur. Dent
planejava uma edição robusta, ao estilo dos livros da Kelmscott Press, a
editora de William Morris que se caracterizava pelo alto padrão artístico do
design e da tipologia. Entre o outono de 1892 e junho de 1894, Beardsley
produziu 353 desenhos, incluindo ilustrações de página inteira e dupla, elaborados
desenhos de bordas e numerosos títulos ornamentais para capítulos do livro.
Recebeu pelo trabalho a quantia de 250 libras, o que lhe deu liberdade para
abandonar um odiado emprego de balconista e se concentrar em sua arte.
No entanto, Beardsley gradualmente se
cansou desse empreendimento extenuante e detalhes subversivos começaram a pipocar
em seus desenhos. Personagens incongruentes como sereias, sátiros e criaturas
híbridas com pernas de cabra, alusivas à mitologia clássica, passaram a
aparecer nos trabalhos.
Suas ilustrações foram reproduzidas por
um processo de impressão em bloco de linha, relativamente novo e econômico, no
qual os desenhos são transferidos para chapas de impressão de maneira
fotográfica. Inicialmente, Beardsley ficou desapontado com o resultado, mas
rapidamente adaptou seu estilo para esse processo de impressão que
podia reproduzir as linhas com precisão e também grandes áreas planas de preto.
"ALGO QUE LEMBRA O JAPÃO”
A partir da década de
1860, os europeus tinham desenvolvido um gosto pela cultura visual japonesa por causa do restabelecimento das relações comerciais com o Japão, e Beardsley
cresceu cercado por interpretações ocidentais da arte nipônica. No verão de
1891, junto de sua irmã Mabel, visitou a mansão londrina do magnata da
navegação Frederick Leyland e lá viu a Peacock
Room, uma fabulosa sala criada quinze anos antes pelo artista americano expatriado
James McNeill Whistler. Decorada com motivos japoneses retrabalhados, essa
obra-prima tornou-se um dos interiores mais célebres de Londres à época.
Hipnotizado por essa visão, Beardsley começou a introduzir detalhes orientais em
seus próprios desenhos.
A 'Peacock Room' que encantou Beardsley na casa do magnata Frederyck Leyland, em Londres. |
As xilogravuras japonesas (Ukiyo-e)
também foram uma influência importante e Beardsley adotou suas convenções
gráficas, passando a incluir áreas de padrão plano contrastadas com figuras
desenhadas com precisão contra fundos abstratos ou vazios. Como vários artistas
da época, Beardsley também gostava do formato elegante, alto e estreito dos
tradicionais rolos japoneses de kakemono, a pintura sobre rolos de seda. Em uma
carta a um amigo, se gabou: "Criei
para mim um método totalmente novo de desenho e composição, algo que lembra o
Japão... Os temas eram bastante loucos e um pouco indecentes".
Aubrey Beardsley - 'A Capa Negra' - 1893 - Princeton University Library - Princeton, EUA |
DESENHAR PARA PROVOCAR
A arte de Beardsley veio a público em
abril de 1893, quando se tornou tema do artigo principal - A New Illustrator - da primeira edição
da nova revista de arte The Studio.
Nele, o especialista em artes gráficas Joseph Pennell elogiou o trabalho de
Beardsley afirmando que ele era "tão
notável em sua execução quanto em sua inventividade: uma combinação muito rara".
O artigo destacou como a impressão fotográfica de bloco de linhas tinha o poder
de revelar a verdadeira qualidade do traço de um artista.
As reproduções no artigo da The Studio incluíam ilustrações
medievais e pré-rafaelitas realizadas para Le
Morte D'Arthur, que seria publicado em breve, e exemplos do trabalho de Beardsley
inspirado em xilogravuras japonesas. Isso mostrou sua versatilidade e fez com
que ele recebesse novas encomendas para livros e revistas populares, como a Pall Mall Magazine. J.M. Dent, editor de Le Morte D'Arthur, receando que Beardsley
se cansasse daquele projeto monumental, e para mantê-lo
interessado, convidou-o a criar centenas de pequenas ilustrações
"grotescas" para a série Bon-Mots
(Boas Palavras), composta de três livros em miniatura de ditos
espirituosos. Nesse contexto, o termo "grotesco" se refere à distorção ou
exagero das formas para criar um efeito de fantasia ou estranheza. Uma ideia
coerente com o modo como Beardsley via o mundo, uma vez que mais tarde ele próprio afirmaria, a respeito de sua arte: "Não
sou nada se não for grotesco".
Aubrey Beardsley - 'A Mulher Gorda' - 1894 - Tate Britain, Londres |
Aubrey Beardsley - 'A Dama das Camélias' - 1894 - Tate Britain, Londres |
Além de se inspirar na arte
pré-rafaelita e nas gravuras japonesas, Beardsley também ficou impressionado
com os vasos gregos que viu no Museu Britânico e com a arte renascentista. Vale
lembrar que as figuras alongadas que incluía em seus desenhos também estavam
presentes na arte de seu primeiro mentor, o pré-rafaelita Edward Burne-Jones. A
combinação de todas essas fontes contribuiu para moldar seu estilo e, com
apenas 21 anos, Beardsley já era aclamado como um grande ilustrador.
Aubrey Beardsley - 'Ave Atque Vale' - 1896 - coleção particular |
DANÇA DOS SETE VÉUS
Em 1892, Beardsley fez por conta
própria um desenho para Salomé, peça
de Oscar Wilde originalmente escrita em francês e baseada no famoso relato
bíblico. Salomé se apaixona por Iokanaan (João Batista) e, quando este a
rejeita, ela exige sua cabeça ao padrasto, Herodes Antipas, como recompensa por
dançar a dança dos sete véus. Beardsley ilustrou Salomé prestes a beijar a
cabeça decepada de Iokanaan, Wilde gostou do desenho e, ao lado de seu editor,
John Lane, convidou-o para ilustrar a tradução em inglês da peça. As
ilustrações tecem temas de sensualidade e morte e exploram uma ampla gama de
desejos sexuais. Como era de se esperar, a publicação da peça gerou furor, trazendo em seu rastro a
publicidade tão desejada por Wilde e seu jovem ilustrador.
Beardsley adorava ocultar elementos
provocativos em seus desenhos. Lane certa vez afirmou que "era preciso colocá-los
sob um microscópio e olhá-los de cabeça para baixo" a fim de descobrir
suas "provocações". Ao ver os desenhos para Salomé,
censurou detalhes que considerou "problemáticos" na folha de rosto e na
ilustração criadas por Beardsley, além de rejeitar completamente dois projetos
da primeira edição. Mesmo assim, Lane falhou em perceber muitos detalhes
eróticos ocultos e, surpreendentemente, permitiu a publicação de desenhos
que incluíam caricaturas de Wilde.
O desenho abaixo, denominado 'Herodias Entra', mostra o momento em que
a mãe de Salomé entra no palco. No canto inferior direito, há uma caricatura de
Oscar Wilde segurando uma cópia do texto da peça. Embora Herodias esteja coberta por uma grande capa, seus seios estão
expostos. John Lane exigiu que Beardsley cobrisse a genitália da personagem à
direita com uma folha de figueira, mas não percebeu as velas no primeiro
plano desenhadas em formato de pênis e a ereção da figura à esquerda. Sim, podemos dizer que Beardsley "pregou peça na peça".
Aubrey Beardsley - 'Entrada de Herodias' - 1893 (publicada em 1907) - coleção particular |
No total foram criadas dezoito ilustrações, mas apenas dez apareceram na primeira impressão da peça.
PARIS EM CARTAZ
Ao viajar pela primeira vez a Paris,
em 1892, o jovem artista ficou encantado com a multiplicidade de pôsteres e cartazes que
adornavam a cidade. Os pôsteres franceses mostravam as possibilidades desse
novo formato outdoor produzido em massa e o potencial de reprodução de cores em
larga escala. Mais do que depressa, Beardsley passou a criar seus pôsteres também. Entendendo
que eles seriam vistos pelas pessoas de passagem, muitas vezes a
distância, concebeu projetos com formas arrojadas e simplificadas e sólidos
blocos de cores. Considerava a publicidade essencial para a vida moderna e uma
oportunidade de integrar a arte à experiência cotidiana. Como ele mesmo
afirmou, "a beleza tomou conta da cidade".
No outono de 1894, foi aberta em
Londres a primeira exposição inglesa de pôsteres. Cartazes pictóricos desfrutavam
então um boom na Grã-Bretanha e
começaram a ser reconhecidos como uma forma de arte. A exposição contou com
obras de artistas franceses famosos como Jules Chéret e Henri de
Toulouse-Lautrec, conhecidos como os "pais" do pôster moderno, e não
por acaso incluiu também vários trabalhos de Beardsley. Além de colocar seus pôsteres
em pé de igualdade com a arte que o inspirara, essa exposição atestou a
importância de Beardsley no desenvolvimento do design de pôsteres britânicos.
Abaixo está uma ilustração para a
ópera Siegfried, de Richard Wagner. Minuciosamente
detalhada, ela mostra o estilo de desenho de Beardsley em linhas extremamente finas.
Aubrey Beardsley - 'Siegfried', Ato II' - 1892-3 - Victoria and Albert Museum, Londres |
GLÓRIA ENTRE AMIGOS
O brilhante artigo na revista The Studio e o sucesso com Le Morte D’Arthur revelaram Beardsley ao
público quando tinha apenas 20 anos. Depois disso, uma sequência de encontros fortuitos
com importantes figuras culturais da época o levou ao coração da vanguarda dos
círculos literários e artísticos londrinos na década de 1890.
Espirituoso, talentoso e culto, Beardsley
foi rapidamente adotado por um grupo de jovens artistas e escritores que se
identificavam como estetas, extremamente sensíveis à arte e à beleza. Entre
eles estavam o pintor de retratos William Rothenstein, o ensaísta e
caricaturista Max Beerbohm e o crítico e negociante de arte Robert Ross, amigo
e ex-amante de Oscar Wilde. A fama de Beardsley cresceu com a publicação de
suas ilustrações em Salomé, de Wilde, e seu envolvimento com a popular e elegante revista The Yellow Book. A partir dali, seu
grupo de amigos começou a se expandir rapidamente. Porém, com a queda de Oscar Wilde
no início de 1895, Beardsley mudou-se para Dieppe e passou pouco tempo na
Inglaterra.
O ILUSTRADOR ROUBA A CENA
Foi em 1894 que Beardsley tornou-se
editor de arte da The Yellow Book,
uma revista que se tornaria a publicação mais icônica da década, com seu design
elegante e sofisticado. O amarelo era moderno, urbano, irônico e ousado,
lembrando os invólucros amarelos dos populares romances eróticos franceses. O
primeiro volume foi um sucesso instantâneo e controverso, colocando arte e literatura em pé de igualdade. Mas foram os desenhos de Beardsley que roubaram a
cena e deram à revista sua reputação de vanguarda. Seu estilo arrojado e sua ousada
modernidade receberam elogios e desprezo na mesma medida e, a cada nova edição,
a notoriedade do ilustrador aumentava. Para muitos, a publicação incorporou o
espírito decadente da época e, como bem observou um crítico, "para a maioria, Aubrey Beardsley É a Yellow
Book".
No entanto, o sucesso meteórico de
Beardsley teve vida curta. Em 1895, Oscar Wilde foi julgado por manter relações
sexuais com homens e processado por "grave indecência". Enquanto o
escândalo atravessava Londres, a reação se voltou para a famosa revista e seu
audacioso editor de arte. Na opinião do público, Beardsley estava vinculado a
Wilde por causa de suas ilustrações para Salomé
e, para piorar, Wilde foi visto na prisão carregando um livro amarelo (na
verdade, um romance francês, não a Yellow
Book) e o público erroneamente imaginou uma associação romântica entre o escritor e o artista. Após multidões
ultrajadas quebrarem as janelas da editora, John Lane, o editor, sucumbiu à
pressão e demitiu Beardsley.
Capa do primeiro número da revista Yellow Book, com ilustração de Beardsley - 1894. |
As cartas de Beardsley revelam que ele se sentia atraído por
prostitutas, mas pouco se sabe sobre sua sexualidade. No entanto, o artista
frequentemente representava a atração pelo mesmo sexo e a fluidez de gênero em
suas obras, o que era raro na era vitoriana. Na obra abaixo, Black Coffee,
vemos duas mulheres sentadas uma ao lado da outra. A mulher de preto está
escondendo as mãos, talvez cobrindo a mão da companheira, que também tem a mão
no colo. A mulher de preto tem um chifre de diabo, mais uma dica para os
contemporâneos sobre seu comportamento supostamente "pecaminoso". Embora muitas
pessoas que viram essa ilustração na época ficassem chocadas com a exibição de
uma relação entre pessoas do mesmo sexo, não há nenhum julgamento de valor por
parte do artista. Black Coffee é apenas uma das muitas ilustrações de
Beardsley que retratam mulheres desafiadoras e livres para agir como bem
entendessem.
Aubrey Beardsley - 'Black Coffee' - 1895 - Harvard Museums / Fogg Museum |
TRANSGRESSÃO EM REVISTA
Demitido da The Yellow Book, Beardsley enfrentou a perda de sua renda e uma
atmosfera agora hostil em Londres. Apesar de sua fama internacional, sua
situação financeira era precária e ele foi forçado a vender sua casa. Partiu
então para Dieppe, o balneário francês preferido dos escritores e artistas
ingleses. Lá encontrou Leonard Smithers, um editor empreendedor (e
ocasionalmente pornógrafo) que lhe propôs criar uma nova revista para rivalizar
com a The Yellow Book.
Com Beardsley como editor de arte e o
poeta Arthur Symons a cargo da literatura, The
Savoy foi lançada em 1896, inicialmente com periodicidade trimestral. No
entanto, após somente duas edições, Smithers imprudentemente decidiu tornar a
revista mensal, mas a pressão financeira fez com que The Savoy desaparecesse após apenas um ano. Mesmo assim, com apenas
oito números, tornou-se uma das "revistas pequenas " mais
significativas e belas do período.
The Savoy foi publicada na Grã-Bretanha, mas o conservadorismo
social e artístico estava em ascensão no país após o julgamento de Wilde.
Smithers era o único editor que se dispunha a imprimir trabalhos de Wilde ou
Beardsley naquele momento. Alguns livreiros, como W.H. Smith, recusaram-se a
exibir obras de Beardsley em suas vitrines e W.B. Yeats sustentou que The Savoy havia valentemente declarado
uma "guerra contra o público britânico em
um momento em que tínhamos todos contra nós".
A propósito, os colegas da The Savoy, como Yeats e Symons, bem como
o pintor Charles Conder, foram amigos constantes de Beardsley em seus últimos
anos de vida. O rico poeta e escritor franco-russo Marc-André Raffalovich
tornou-se um importante apoiador e patrono, mas seu principal amigo nesse
período foi o editor Leonard Smithers, tido como um homem cativante, porém
sem escrúpulos.
O ROUBO DA MECHA
Beardsley também foi um grande
admirador do poeta Alexander Pope (1688-1744), embora Oscar Wilde ridicularizasse
seu gosto poético, alegando que "existem
duas maneiras de não gostar de poesia:
uma maneira é não gostar, e a outra é gostar de Pope". Assim, em 1896,
Beardsley pôs-se a ilustrar o poema épico-satírico de Pope O Roubo do Cacho (The Rape of the Lock), de 1712. No título de
Pope, a palavra "rape", que atualmente significa "estupro", é usada em seu
sentido original de "roubo" ou "sequestro", e não de agressão sexual. O poema
zomba de um incidente real durante o qual lord Petre (renomeado "Barão")
corta uma mecha do cabelo de Arabella Fermor ("Belinda", no poema) sem a
permissão da moça, causando um conflito entre as famílias. Inspirado pelas gravuras
francesas em chapa de cobre do século XVIII, as quais admirava e colecionava,
Beardsley desenvolveu um novo estilo altamente decorativo. O texto da folha de
rosto, em tom arguto e bem-humorado, menciona que Beardsley "bordou" as ilustrações, dada a complexidade da trama de seus desenhos.
Aubrey Beardsley - 'A Caverna de Spleen' (ilustração para o poema 'O Roubo da Mecha', de A. Pope) - 1896 - Museum of Fine Arts, Boston - EUA |
MADEMOISELLE DE MAUPIN
Entre fevereiro e outubro de 1897, Beardsley
trabalhou nas ilustrações do romance Mademoiselle
de Maupin (1835), de Théophile Gautier, para Leonard Smithers. O herói da
história, D'Albert, está à procura da mulher perfeita, mas, em vez disso, acaba
irremediavelmente atraído por um rapaz. O objeto de seu desejo é
finalmente revelado como Madelaine de Maupin, uma mulher que não se enquadra
nas expectativas de gênero da época, sobretudo no vestuário, e é atraída por
homens e mulheres. O enredo reflete sobre uma unificação ideal de atributos
masculinos e femininos, ideia amplamente discutida nos círculos literários e
artísticos da Europa do século XIX.
Em seu prefácio, Gautier promove a "arte
pela arte", a doutrina do "movimento estético" que surgiu na Inglaterra no
final do século XIX para promover a beleza acima de tudo, inclusive do significado
ou da moralidade na arte. O encontro sexual entre D'Albert e a mademoiselle é
descrito em termos de perfeição estética, mas a moça abandona o amante logo depois.
Beardsley também fez desenhos em aquarela para criar um novo estilo decorativo mais suave e seu amigo Robert Ross inclusive sugeriu que essa técnica era "menos exigente" no momento em que sua
saúde estava em franco declínio. Mas tarde, porém, o artista voltou a adotar uma
abordagem mais detalhada, mostrando que estava simplesmente explorando novos
modos de expressão.
FASCÍNIO ERÓTICO
Enquanto se recuperava no sul da
Inglaterra durante o verão de 1896, Beardsley iniciou suas duas séries de
desenhos mais explícitos até então, ambas inspiradas em fontes clássicas. A
primeira foi um conjunto de oito desenhos para a antiga comédia grega Lysistrata, de Aristófanes. Na famosa
peça satírica, as mulheres atenienses e espartanas acabam com o conflito ao se
recusarem a fazer sexo com seus homens em guerra até que a paz fosse
restabelecida entre as duas cidades. O outro conjunto de desenhos igualmente
escandalosos de Beardsley foi criado para a Sexta
Sátira de Juvenal, um ataque misógino à moral e aos hábitos sexuais das
mulheres da Roma Antiga.
Esses temas condiziam com o humor
irreverente e o fascínio de Beardsley por todos os aspectos da sexualidade - e,
talvez, com suas próprias frustrações sexuais. Smithers, que se orgulhava de
"publicar o que todos os outros têm medo de tocar", sem dúvida o
encorajou. Combinando com o erotismo exuberante dos textos, Beardsley adotou um
estilo totalmente linear nesses desenhos, um inovador e ousado direcionamento inspirado
em seu conhecimento da pintura de vasos da Grécia Antiga e de gravuras eróticas
japonesas.
Muito poucos contemporâneos de
Beardsley tiveram acesso a esses desenhos. Sua suposta "indecência" significava que eles
não podiam ser publicados ou divulgados da forma usual, sendo disponibilizados
por Smithers apenas para um seleto grupo de colecionadores por meio de uma assinatura
particular. Em determinado momento, porém, Beardsley parece ter sentido um
certo arrependimento por ter criado tais desenhos, talvez motivado por sua
crescente fé católica. No leito de morte, escreveu a Smithers implorando para
que ele destruísse todos os seus "desenhos obscenos", um pedido que o
outro simplesmente ignorou.
Aubrey Beardsley - 'Duas Mulheres Atenienses Aflitas' - 1896 - Victoria and Albert Museum, Londres |
Aubrey Beardsley - 'Messalina e sua Acompanhante' - 1895 - Tate Britain, Londres |
TRAÇO INTERROMPIDO
Após uma viagem a Bruxelas, na
primavera de 1896, Beardsley sofreu uma hemorragia pulmonar muito mais grave,
da qual nunca se recuperou completamente. Dolorosamente consciente de sua
própria finitude, ele passou a se mudar de um lugar para outro em busca do ar
"mais saudável" recomendado pelos médicos. Embora o avanço de sua
condição fosse implacável, a cada mudança de local surgia nova inspiração. Seus
últimos anos são caracterizados por um entusiasmo em assumir novos projetos,
mas ele não conseguia conclui-los devido ao cansaço e às más condições de saúde. Enquanto seu foco e
energia diminuíam gradualmente, seus últimos trabalhos mostram que o mesmo não
acontecia com sua ambição, seu intelecto, sua imaginação e o poder de sua técnica.
Beardsley morreu em Menton, no sul da
França, em 16 de março de 1898. A seu lado, estavam a mãe e a
irmã Mabel, companheiras constantes ao longo de toda a sua breve vida. Segundo as
palavras de seu amigo Robbie Ross, "não é
preciso haver tristeza por uma possível não realização. A velhice não é um
complemento mais necessário para a realização do gênio do que a morte
prematura. Durante seis anos, ele produziu obras de arte que poderia até ter
repetido, mas jamais superado."
O FIM DE UMA ERA
A queda de Oscar Wilde foi um golpe do
qual o mundo artístico e literário decadente do fin de siècle europeu nunca se recuperou completamente. Mas foi a
morte de Beardsley, em 1898, que realmente marcou o fim de uma era. Seu amigo
Max Beerbohm percebeu essa atmosfera ao escrever sobre si mesmo: "pertenço à era Beardsley". Os
desenhos de Beardsley foram muito imitados quando ele ainda vivia e, após sua
morte, muitos jovens ilustradores tentaram ocupar seu lugar. Alguns imitavam
seu estilo e outros ainda fizeram falsificações deliberadas de seu trabalho, mas poucos manifestaram sua habilidade como desenhista ou a riqueza de sua
prodigiosa imaginação.
Edições dos desenhos de Beardsley
publicadas após sua morte divulgaram seu trabalho a um público ainda mais amplo, influenciando
artistas não apenas na Grã-Bretanha, mas também no resto da Europa, Rússia e
Japão.
BEARDSLEY REVIVE
No início do século 20, a maioria dos
contemporâneos de Beardsley foi esquecida e seus trabalhos descartados por não representarem
valor no mundo moderno. Porém, a obra de Beardsley continuou a ter relevância
para muitos artistas mais jovens e, na década de 1960, a era vitoriana foi "redescoberta". Uma grande exposição de Beardsley em 1966, no Victoria and
Albert Museum, gerou uma crescente onda de interesse pela arte do século XIX em
geral e especialmente do fin de siècle.
O Art Nouveau reconquistou os ingleses. A mostra atraiu um público jovem que
descobriu, nos desenhos de Beardsley, ideias que combinavam com seus próprios
valores anti-establishment, lembrando
que estilos de vida ditos experimentais e "alternativos" passaram a ser
valorizados naquela década. Trabalhos de Beardsley começaram a decorar pôsteres,
capas de discos e revistas underground e psicodélicas, tendo influenciado
também a publicidade convencional, o design comercial e a decoração de
interiores. Seus desenhos pareciam estar em toda parte.
As estranhas figuras de cabelos longos
em trajes extravagantes, presentes em tantas de suas ilustrações, também
tiveram um impacto na moda dos anos 1960. Butiques independentes surgiram
para atender à demanda de jovens "liberadas", bem como uma nova moda
masculina que rejeitava as convenções. Assim como na "era Beardsley",
estilo e imagem tornaram-se novamente a expressão essencial de uma
sensibilidade subversiva que caracterizou a contracultura.
Atualmente, em boa parte da arte contemporânea,
parece que sobram protestos e subversão, porém a beleza e o refinamento passam
longe. Que falta um Beardsley faz.
Fonte: Galeria Tate Britain
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