Dificilmente pisaremos em alguma cidade do sul da França que não
tenha sido habitada por homens pré-históricos. Pouco restou daquele período,
mas vestígios de épocas posteriores são mais abundantes, principalmente da
Idade Média. Ao ter a oportunidade de dirigir recentemente pelas estradas da Provence,
descobri lugarejos que guardam registros impressionantes daqueles tempos. Lourmarin
está entre eles.
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Chegando à cidade... - Foto: Simone Catto |
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Vista de Lourmarin - Foto: Simone Catto |
Com pouco mais de mil de habitantes, o village de Lourmarin está
situado aos pés da montanha do Lubéron, em meio aos vinhedos e oliveiras tão
abundantes naquela região da França. Sabemos que o lugar é muito antigo porque
escavações realizadas ali entre 1976 e 1982 revelaram um mobiliário do período
neolítico e uma necrópole do final da Idade do Bronze, o que ficou comprovado
pelo estudo dos ossos humanos e peças de cerâmica e bronze achados no local. Na
ocasião, os arqueólogos encontraram catorze pulseiras de bronze.
Não tive a oportunidade de checar essas relíquias arqueológicas,
mas, logo ao chegar à cidade, topei com a principal atração turística do lugar:
o castelo de origens medievais que está
de pé hoje graças à sensibilidade de um mecenas. Vale a pena contar sua
história porque, nesse mundo onde o sentido do sagrado é tão volátil quanto as emoções humanas, é preciso valorizar quem reconhece a importância das
permanências que valem a pena.
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O castelo ao longe - Foto: Simone Catto |
Mas antes vamos voltar um pouco no tempo. A parte mais antiga do
castelo foi construída no século XV sobre ruínas do século XII. Até a Revolução
Francesa, ele foi ocupado por diferentes proprietários. Porém, após a
Revolução, os novos compradores estavam apenas interessados em cultivar as
terras e negligenciaram a construção. Como consequência, no final do século
XIX, o castelo estava quase em ruínas. A ala do período renascentista, que
havia sido transformada em celeiro, servia, ao mesmo tempo, de abrigo para vagabundos
e ciganos de passagem. Em 1920, o castelo iria a leilão para virar
uma pedreira quando foi descoberto por nosso mecenas, um industrial de Lyon
chamado Robert Laurent-Vibert, herdeiro da Hahn Petroleum Company. Estudioso,
erudito e membro da Escola Francesa de Roma, Laurent-Vibert foi seduzido pela
atmosfera ancestral do castelo e se comprometeu a restaurá-lo, o que fez de
1921 a 1923 com base em documentos antigos fornecidos por seu amigo Edouard
Aude, curador da biblioteca Méjanes de Aix-en-Provence. Detalhe interessante: todos
os artesãos empregados na restauração eram de Lourmarin. Isso mostra duas
coisas. Primeira: que os poucos habitantes locais tinham um mínimo de
capacitação. Segunda: que os gestores do vilarejo sabiam valorizar sua mão de
obra.
Robert Laurent-Vibert faleceu em 1925 em um
acidente de automóvel, mas, em 1923, havia deixado um testamento legando o
castelo à Académie des Sciences, Agriculture, Arts et Belles Lettres
d'Aix-en-Provence, que tinha como responsabilidade instituir uma fundação com
seu nome. Assim foi criada a Fundação Lourmarin Robert Laurent-Vibert,
reconhecida como de utilidade pública desde 1927 e administrada por um conselho
composto inicialmente por amigos do industrial.
Até hoje a fundação tem objetivos exclusivamente culturais e, ao
que parece, eles têm sido plenamente atendidos: no verão o castelo recebe jovens
artistas em residência e promove concertos, conferências e exposições durante
todo o ano, além de concursos culturais.
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Fonte no pátio à entrada do castelo - Foto: Simone Catto |
A primeira coisa que notei ao entrar no castelo é uma
interessante escada em espiral que unifica seus três andares. Curiosidade: na
época medieval, as escadas dos castelos eram usualmente construídas no sentido
horário, para que os invasores que as subissem segurando as espadas com a mão
direita encontrassem no pilar central um obstáculo a seus movimentos. E os defensores
do castelo, ao contrário, desciam as escadas com o caminho livre do lado
direito para empurrar os invasores com o próprio corpo. Essa é a lógica da
escada do castelo de Lourmarin, embora a foto esteja ao contrário.
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A escada torcida do castelo - Foto: site do Castelo de Lourmarin |
Apenas a ala mobiliada renascentista, do século XVI, está aberta
ao público. Os ambientes são enormes, mas não me pareceram lá muito aconchegantes. Assim que entrei no quarto abaixo, imaginei como devia ser frio no inverno. Brrrrr... Na realidade, a opulência decorativa começaria mais tarde, no período barroco.
Versalhes está aí para provar.
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Foto: Simone Catto |
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Sala de música - Foto: site do Castelo de Lourmarin |
Na parte externa, esculpidas entre as ameias, há algumas
gárgulas em formato de cães selvagens, caçadores de lobos. Orifícios na cabeça das
esculturas permitiam o escoamento da água da chuva e, mais do que isso, na Idade
Média, acreditava-se que essas carrancas afugentavam maus espíritos.
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Os protetores do castelo - foto: site do Castelo de Lourmarin |
Confesso, no entanto, que o que mais gostei de minha visita a Lourmarin foi explorar ruas do vilarejo. Em determinado momento, deparei
com a agradável paisagem abaixo e vim a descobrir que se trata da igreja de Saint-André
e Saint-Trophime, que foi construída no século XI, antes mesmo da construção da
muralha da cidade, e mescla elementos românicos e góticos. A fonte antes da
entrada confere um encanto especial ao cenário.
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Igreja Saint-André e Saint-Trophime - Foto: Véronique Pagnier |
A julgar pelo interior preservado da igreja, é evidente que ela
foi restaurada por obra de algum benfeitor ou do próprio governo local. O
retábulo que orna o magnífico altar-mor dourado, criado em fins do século XVII
e início do século XVIII, é dedicado a Santo André.
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Foto: Selma |
A comuna também tem um velho campanário construído no século
XVII sobre vestígios do antigo castelo feudal que ganhou um apelido
curioso dos moradores: "caixa de sal" (boîte à sel), porque seu formato se
assemelha ao dos antigos recipientes para sal que eram pendurados nas paredes
das cozinhas. Minha mãe, aliás, teve um. Era vermelho com a tampa branca. Veja
e compare...
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O campanário... Foto: Internet |
E abaixo, a caixa de sal que tantas francesas devem ter
utilizado ao fazer suas ratatouilles. Realmente lembra o campanário! (rs).
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Foto: Internet |
Mas sal não foi o único tempero que encontrei pelo caminho.
Também vi graciosas residências com pitadas generosas de capricho e delicadeza.
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Fofurices de Lourmarin - Foto: Simone Catto |
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Foto: Simone Catto |
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Foto: Simone Catto |
E por falar em residências fofas, parece que há muita gente disposta a comprar imóveis em Lourmarin, mas nem todo mundo está a fim de vender, como deixa bem claro o aviso à entrada de um imóvel: "Informamos que este local não está para alugar e nem à venda. Obrigado". Como eu não estava ali para comprar casa, o tal aviso só conseguiu me divertir com o senso prático e a peremptoriedade dos franceses quando se trata de desestimular qualquer um que cogite perturbar sua paz.
Porém, há algo que os habitantes de Lourmarin vendem com prazer:
arte. Não foram raros os ateliês de artistas e galerias que encontrei pelo
caminho, o que me levou a deduzir que não faltam artistas por ali. Sempre que topava
com uma galeria ou ateliê, logo imaginava que, se estava aberto e funcionando,
é porque devia haver compradores. Mas até agora me pergunto se aqueles artistas
conseguem sobreviver apenas de sua arte ou se têm outros meios de subsistência...
ainda não obtive essa resposta, mas já sei a quem perguntar. Difícil, mesmo, é
sobreviver em Sampa após visitar lugares como esse. Mas em breve tem mais.
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Foto: Simone Catto |
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Arte de qualidade! - Foto: Simone Catto |
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