A comuna de Vaison-la-Romaine
já constava em meu roteiro de viagem para a Provence por várias razões. Uma
delas, no entanto, já bastaria para justificar minha ida até lá: o lugar abriga
o maior sítio arqueológico galo-romano da França. Eu mal podia esperar para
caminhar entre as ruínas e ficar imaginando como deviam ser as casas que ali existiam
na época em que Jesus Cristo ainda estava entre nós tentando impedir que a
humanidade fizesse tanta lambança.
O que eu não podia imaginar é que o sítio arqueológico fosse tão
grande. Na realidade, não se trata de um, mas dois sítios que formam um complexo:
Puymin e La Villasse, que ocupam algo como 15 hectares – o que, pelo padrão
de medida francês, corresponde a 150.000 m². Como se não bastasse, a cidade de
Vaison-la-Romaine tem uma respeitável herança medieval que também me
surpreendeu com sua beleza arquitetônica e seus cantinhos pitorescos. Uma
riqueza histórica e cultural impressionante para um village de parcos seis mil habitantes.
O fato é que tirei tantas fotos e há tantas informações
interessantes, que um só post seria insuficiente para dar conta do recado. Por
isso, resolvi dividir minha publicação sobre Vaison em duas partes. Nesta
primeira, vou mostrar os sítios arqueológicos galo-romanos de Puymin e La
Villasse com suas ruínas do século I
a.C. ao século II d.C., época em que a comuna era denominada Vasio. E na próxima parte, vamos
percorrer um pouco as ruas medievais da Cidade Alta.
Os dois sítios arqueológicos estão separados da Cidade Alta pelo
rio Ouvèze, que corta Vaison e já foi responsável por inundações catastróficas,
a última ocorrida após uma chuva torrencial em setembro de 1992 que deixou 38
mortos e quatro desaparecidos. Felizmente, o rio estava comportado quando de
minha visita. O curioso é que, apesar das inundações, a ponte romana que liga suas duas margens, construída no final do
século I de nossa era, resistiu impávida e soberba. Prova de que os engenheiros
de dois mil anos atrás podiam "dar um banho" - com o perdão do trocadilho! - de
técnica e expertise em tantos profissionais de hoje. Composta de um único arco
com 17 metros de comprimento e nove de largura, a ponte é bem graciosa e considerada
a maior do período galo-romano.
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Ponte romana de Vaison-la-Romaine - Foto: Internet |
Ambos os sítios arqueológicos revelam vestígios de moradias,
lojas de artesanato, ruas de comércio e termas públicos para banhos.
Primeiramente visitei Puymin, que
abrigou luxuosas residências. Uma delas, de fins do século I e início do século
II, é chamada de "Casa do Apolo Laureado", porque no local foi encontrada uma
cabeça do deus Apolo com sua coroa de louros. Com um traçado bastante
elaborado, a casa tinha salões termais, sala de almoço, cozinha, banheiros
privativos, átrios e vários outros ambientes, além de latrinas nos fundos.
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Sítio arqueológico de Puymin - foto: Simone Catto |
As próximas duas imagens são da "Casa do Apolo Laureado", onde
os arqueólogos encontraram a cabeça do deus esculpida.
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Vista da "Casa do Apolo Laureado", Puymin - foto: Simone Catto |
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Ruínas da "Casa do Apolo Laureado", Puymin - Foto: Simone Catto |
Abaixo está a cabeça de Apolo que foi encontrada e uma
ilustração representando a arquitetura da casa no século I.
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A luxuosa residência e a bela cabeça do deus - Foto: Simone Catto |
A decoração da residência devia ser sofisticada, já que há
restos de pisos em mosaico, estátuas, afrescos e trabalhos de marchetaria em
mármore.
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Fiquei impressionada com o estado de conservação desse piso! - Foto: Simone Catto |
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Vestígio de afresco - Foto: Simone Catto |
A próxima foto é de outra casa de Puymin chamada de "Maison à la
Tonelle" (Casa do Caramanchão), e acredito que esse nome lhe tenha sido
atribuído por causa de seus pilares, dos quais hoje restam somente as bases e que
provavelmente deviam sustentar alguma estrutura que lembra um caramanchão. Dá
para visualizar as ruínas dos pilares no fundo da foto abaixo.
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A escadinha em primeiro plano resistiu! - Foto: Simone Catto |
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Foto: Simone Catto |
No limite externo do terreno estão vários sarcófagos de pedra
emparelhados lado a lado, de um período um pouco mais recente: séculos III d.C.
e IV d.C. Ocorre que, com a expansão do
Cristianismo, a partir de 314 d.C., a prática funerária da incineração foi
substituída pelo sepultamento e era tradição local sepultar os mortos na parte
externa da cidade.
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Os sarcófagos de pedra dos primórdios do Cristianismo - Foto: Simone Catto |
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Outros achados arqueológicos, talvez à espera de catalogação - Foto: Simone Catto |
Mais ao fundo, em um extremo do enorme terreno, está o anfiteatro restaurado onde seis mil
espectadores podiam assistir a peças de teatro, comédias e pantominas. No
entorno da estrutura, pilares da época galo-romana resistem ao tempo. O teatro
segue ativo, exibindo espetáculos como concertos e balés.
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Anfiteatro romano de Puymin - Foto: Simone Catto |
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Fragmento da parte externa do anfiteatro - Foto: Simone Catto |
Não dá para visitar Puymin sem pelo menos dar uma passada no Museu Arqueológico Théo Desplans,
dentro do próprio sítio arqueológico. O museu tem uma rica coleção de estátuas em
mármore, mosaicos, esculturas, altares dedicados a divindades e vários objetos
da vida cotidiana galo-romana. Duas grandes estátuas, belas e majestosas,
chamaram minha atenção antes mesmo que eu soubesse que eram extremamente raras:
o imperador Adriano e sua esposa Sabine. Segundo os
arqueólogos, essas estátuas imperiais de mármore são achados bem incomuns. As estátuas
de Adriano e Sabine foram descobertas na altura do palco do anfiteatro e é
provável que estivessem em nichos no alto, o que explica suas dimensões: Sabine
tem 2,06 m e Adriano 2,16 metros.
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Imperador Adriano - Foto: Simone Catto |
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Imperatriz Sabine - Foto: Simone Catto |
Adriano, do qual já ouvimos falar nos livros de história, nasceu em 76 d.C. na colônia de Italica,
perto da atual Andaluzia, na Espanha, e foi imperador romano de 117 d.C. a 138
d.C. Consta que era um homem culto que sabia filosofia, falava bem o grego e o
latim e fez uma boa administração. Sua escultura tem características
helenísticas, como a nudez e a barba à maneira dos filósofos gregos. A coroa de
louros com medalhões e o manto em seu ombro esquerdo são símbolos da
dignidade imperial. Tanto sua estátua quanto a da imperatriz foram criadas em
128 d.C., ano em que Adriano provavelmente aceitou o título de Pater Patriae (Pai da Pátria) e em que são celebrados os dez primeiros anos de seu império. Foi em
128 d.C., também, que a imperatriz Sabine recebeu o título de "augusta".
Sabine (morta em 137 d.C.) veste a Tunica Muliebris (vestido de tecido fino que vai até os pés) com meias-mangas
abotoadas. O penteado revela que a imperatriz devia ser bem estilosa: criado com apliques
e cabelo natural trançados no alto da cabeça formando um turbante, além de duas
tiaras de cabelo acima da testa, esse penteado estava na moda no século II a.C. Na foto abaixo dá para reparar melhor na manga do modelito e no penteado chique.
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Foto: Simone Catto |
Após Puymin, chegou a vez de visitar o sítio de La Villasse, ali ao lado. Para chegar
até ele, passei por praças, jardins fechados e ruas charmosíssimas. Uma das praças tinha balanços e vi crianças brincando. Algumas
casas, inclusive, estão bem de frente para o sítio arqueológico. São floridas, bem
cuidadas, com fachadas encantadoras. E novamente, me peguei imaginando que tipo
de vida devem levar as pessoas que nelas residem.
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Rua charmosa com o sítio arqueológico de La Villasse ao fundo - Foto: Simone Catto |
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O lugar é encantador! - Foto: Simone Catto |
Assim como em Puymin, os achados arqueológicos de La Villasse
também atestam que lá havia residências, termas, átrios com jardins e uma rua
com lojas, mostrando que aqueles romanos deviam ser bem animados.
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Vista do sítio arqueológico de La Villasse - Foto: Simone Catto |
O arco abaixo está impressionantemente bem conservado.
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La Villasse - Foto: Simone Catto |
Na foto abaixo, atrás do cipreste da direita, dá para notar uma escultura na frente de uma parede. E na foto seguinte, vemos um detalhe da própria, que aliás está incrivelmente bem conservada.
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La Villasse, com uma bacia em primeiro plano - Foto: Simone Catto |
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La Villasse - Foto: P. Abel |
Ao fundo do terreno, como se contemplasse esses tesouros arqueológicos, eis que se destaca uma bela
casa bem mais moderna. Trata-se da residência do século XVIII da
família dos marqueses de La Villasse, que tem sua fachada voltada para o sítio arqueológico e dá nome ao lugar, mostrando quem é que mandava no pedaço. O marquês de La Villasse foi prefeito de Vaison e era um homem ambicioso e autoritário que queria dominar as comunas vizinhas, acabando por ser assassinado em 1791, em sua própria mansão. A casa trocou de mãos por diversas vezes e consta que foi habitada até 1965, tendo-se tornado propriedade do Estado, que a utiliza como depósito de achados arqueológicos. Como não poderia deixar de ser, minha imaginação voou
alto quando pensei na rotina dos moradores que, até 1965, podiam desfrutar de um quintal com dois
mil anos de idade.
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A casa dos marqueses de La Villasse e seu belo quintal em ruínas - Foto: Simone Catto |
Um dos aspectos mais
fascinantes desses sítios arqueológicos é que os trabalhos são contínuos, as
escavações não cessam nunca. Isso significa que muitas outras riquezas podem ser
encontradas! Vamos aguardar.
Se você quiser conhecer minha experiência na parte medieval de Vaison-la-Romaine, clique aqui e bom passeio!
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