Há 150 anos ele nasceu. Italiano de berço, ainda criança veio
para o Brasil e fazia questão de se dizer brasileiro. Logo revelou um talento incomum
para o desenho e foi estudar pintura com grandes artistas aqui e na França,
conquistando prêmios e glórias. Estou falando de Eliseu Visconti (1866-1944), o primeiro pintor impressionista do
Brasil e introdutor do estilo Art Nouveau no país. Verdadeiro mestre da luz,
Visconti conseguiu, em suas pinceladas, capturar o ar, as pessoas, as paisagens
e atmosferas com uma delicadeza e beleza que não ficam nada a dever às obras dos
maiores do mundo. O tipo de arte que faz falta hoje por aqui.
Eliseu Visconti - 'Autorretrato' (1942) - óleo s/ madeira - 46 X 33 cm - coleção particular - SP Foto: Simone Catto |
Além de ser dotado de um talento excepcional, Visconti teve como
professores gente do calibre de Victor Meireles, Rodolfo Amoedo e Zeferino da
Costa, entre outros, e foi estudar em Paris a partir de 1893, após ganhar uma
bolsa de estudos de cinco anos da Escola Nacional de Belas Artes. Lá frequentou
a Academia Julian e os ateliês de Bouguereau e Gabriel Ferrier, além de ser admitido
na École Nationale et Spéciale de Beaux-Arts classificado em sétimo lugar. Porém,
o conservadorismo dessa última escola assustou o jovem artista, que abandonou o
curso para estudar na École Guérin com Eugène Grasset, um dos expoentes do Art Nouveau.
Visconti participou de vários Salões de arte e teve sua estada na França prorrogada
por dois anos, só retornando ao Brasil em 1900, após conquistar uma medalha de
prata na Exposição Universal de Paris. Um currículo e tanto.
Por tudo isso, é inadmissível que tantos críticos e
historiadores só tenham dedicado espaço à arte produzida a partir da Semana de
Arte Moderna de 1922, como se a arte brasileira anterior à década de 20 fosse
anacrônica ou apenas uma imitação da arte europeia. Mais do que uma injustiça, isso
denota displicência e desconhecimento. Felizmente, Visconti alcançou grande
êxito em vida, conseguiu viver de sua arte e, décadas após sua morte, continua encantando a todos com a beleza e qualidade de sua obra.
Há quatro anos, visitei uma exposição de Visconti que me
impressionou de maneira muito vívida. Grandiosa e muito bem montada, essa
exposição fez jus ao talento do mestre e foi valorizada por uma localização à
altura, a Pinacoteca do Estado. Agora, a Galeria Almeida & Dale acaba de realizar
uma mostra com 40 obras de Visconti, algumas inéditas e outras há anos longe
dos olhos do mundo. Com a colaboração do Projeto Eliseu Visconti, comandado por
Tobias Stourdzé Visconti, neto do artista, a curadoria mesclou obras de
diferentes épocas, incluindo trabalhos de design que ele desenvolveu
para algumas instituições.
Influenciado pelo Impressionismo, pelo Simbolismo, Pós-Impressionismo
e também pelo Art Nouveau de seu mestre Grasset, Visconti manejou a cor e a luz
como poucos no Brasil. Antes mesmo de sua viagem a Paris, já havia pintado
paisagens ao ar livre abolindo as gradações sutis de cor e criando contrastes
de luz tropical que, possivelmente, teriam chocado a Academia. É o caso de 'Uma
rua de favela' (c.1890), primeira obra do artista a abordar essa
temática.
Eliseu Visconti - 'Uma rua da favela' (c.1890) - óleo s/ tela 72 X 41 cm - Coleção Afrísio Vieira Lima Filho - Brasília - DF Foto: Projeto Eliseu Visconti |
Em seu primeiro período em Paris, Visconti criou a maior parte
de seus nus, nos quais podemos reconhecer a forte influência simbolista na luz
diáfana, na atmosfera misteriosa e numa certa melancolia nas poses das modelos.
Eliseu Visconti - 'Nu feminino' (1894) - óleo s/ tela - 59,5 X 81 cm - coleção particular - SP Foto: Projeto Eliseu Visconti |
Eliseu Visconti - 'Busto de Mulher' (1895) - óleo s/ tela - 49 X 73 cm - Coleção Fundação Edson Queiroz Fortaleza-CE - Foto: Projeto Eliseu Visconti |
Eliseu Visconti - 'Mulher e flor - Estudo para Sonho Místico' (1897) - óleo s/ tela 39 X 31 cm - coleção particular - SP - Foto: Projeto Eliseu Visconti |
Não faltaram, também, obras que retratam a infância, um tema que
sempre foi caro ao artista. É o caso de 'O beijo' (c.1899), por exemplo, que
mostra toda a ternura e suavidade do beijo de uma mulher na face de uma criança.
Eliseu Visconti - 'O beijo' (c.1899) - óleo s/ tela - 24 X 32,5 cm - coleção particular - SP Foto: Projeto Eliseu Visconti |
Visconti gostava muito de retratar membros da família porque os amava
acima de tudo, conhecia-os muito bem e, assim, sabia captar melhor suas
expressões e nuances. Podemos citar aqui a pintura 'Boa noite' (c.1910), na
qual a esposa Louise tem o bebê Tobias no colo recebendo um beijo de boa noite
da irmãzinha Yvonne.
Eliseu Visconti - 'Boa noite' (c.1910) - óleo s/ tela - 60 X 76 cm - coleção particular - RJ Foto: Projeto Eliseu Visconti |
Na França, o artista pintou belas paisagens do Jardim do Luxemburgo. Numa delas, nosso
olhar é dirigido para duas figuras de negro, um homem lendo jornal apoiado numa
balaustrada e um menino a seu lado. Ambos contrastam vivamente com a parte
inferior mais clara e com a porção superior da tela, que exibe uma vegetação de
exuberante tom escarlate típico do outono parisiense.
Eliseu Visconti - 'Jardim do Luxemburgo' (c.1905) - óleo s/ tela - 33 X 41,5 cm - coleção particular - RJ Foto: Simone Catto |
Na pintura abaixo, uma mulher tricota também no famoso jardim de Paris e notamos o contraste vivo entre a luz do sol refletida no solo e a sombra
escura que a envolve.
Eliseu Visconti - 'Tricoteuse' (1905) - óleo s/ tela - 3- X 46 cm - Coleção Hecilda e Sérgio Fadel - RJ Foto: Simone Catto |
Segundo o Projeto Eliseu Visconti, a obra a seguir, 'Moça
no trigal' (c.1916), é a mais reproduzida do artista, mas há mais de 40
anos não era exibida numa exposição.
Eliseu Visconti - 'Moça no trigal (Pão e flores)' (c.1916) - óleo s/ tela - 65 X 80 cm - coleção particular - SP Foto: Projeto Eliseu Visconti |
Uma outra pintura que há décadas estava longe dos olhos do
público é 'Estendendo roupa', de 1922. Criada dois anos após o artista
ter-se mudando definitivamente para o Brasil, a pintura mostra uma cena
prosaica da rotina doméstica valorizada por um festival de cores quentes que
destaca várias gradações de vermelho. Sem dúvida, as roupas não demoraram a
secar naquele dia ensolarado!
Eliseu Visconti - 'Estendendo roupa' (1922) - óleo s/ tela - 43 X 66 cm - coleção particular - SP Foto: Projeto Eliseu Visconti |
A pintura abaixo mostra uma paisagem da encosta do Morro de Vila Rica em tons pastéis. Vemos alguns casebres e, em primeiro plano, mal conseguimos visualizar as pessoas, de tão diminutas que são. Essa paisagem nunca havia sido exibida publicamente. Sabia-se de sua existência apenas pelo
registro numa foto antiga, mas ela foi localizada durante a elaboração da
exposição. Sorte de quem viu!
Eliseu Visconti - 'Vila Rica Copacabana' (1929) - óleo s/ tela - 65 X 80 cm - coleção particular - SP Foto: catálogo Galeria Almeida & Dale |
Visconti tinha uma casa de férias em Teresópolis (RJ), ficava
encantado com a luminosidade daquela cidade e não perdia a oportunidade de
retratá-la em paisagens como os dois exemplos a seguir. Em 'Raios de sol' (c.1935),
vemos a entrada da casa do artista enfeitada por duas fileiras de luxuriantes
flores vermelhas que contrastam com os brancos e azuis. Vale ressaltar que,
embora o azul seja uma cor fria e predomine no quadro, as flores e os outros
toques de vermelho conferem tal calor à composição que o cenário se torna absolutamente
acolhedor e irresistível. Sem dúvida, um lugar onde temos vontade de estar!
Eliseu Visconti - 'Raios de sol' (c.1935) - óleo s/ tela - 81 X 62 cm coleção particular - SC - Foto: Projeto Eliseu Visconti |
O jardim do artista também não ficava atrás em beleza, com suas
plantações, flores e sombras acolhedoras.
Eliseu Visconti - 'Lição no meu jardim' (c.1930) - óleo s/ tela - 81 X 65 cm Coleção Fundação Edson queiroz - Fortaleza-CE - Foto: Simone Catto |
A exposição exibiu também alguns autorretratos. Sabemos que
Visconti pintou mais de quarenta ao longo da vida, e eu gostaria de destacar
particularmente um que ele realizou já idoso, denominado 'Ilusões Perdidas' (também conhecido como 'Inspiração' – c.1933). De olhos
fechados e com um leve sorriso nos lábios, o artista parece estar numa espécie
de transe místico, sorvendo a densa nuvem de "inspiração" que evapora de sua
paleta. Quase uma alegoria, essa pintura subverte os cânones tradicionais do
autorretrato ao deslocar o retratado do centro do quadro para um canto da tela.
Eliseu Visconti - 'Ilusões Perdidas (Inspiração)' (1933) - óleo s/ tela 160 X 100 cm - coleção particular - CE - Foto: Projeto Eliseu Visconti |
E finalmente, temos belas peças de arte decorativa Art
Nouveau, incluindo cartazes, vasos, moringas, selos, vitrais e até estampas
para tecidos.
Eliseu Visconti - 'O beijo da Glória a Santos Dumont' (c.1901) - litografia a cores s/ papel 52 X 36,4 cm - Coleção Tobias S. Cavalcanti - Rio de Janeiro Foto: catálogo Galeria Almeida & Dale |
Mais do que um artista eclético e fora de série, Eliseu Visconti é
reconhecido como um de nossos maiores mestres da arte graças ao louvável
trabalho do Projeto Eliseu Visconti para resgatar e catalogar sua obra, além de
iniciativas como essa exposição.
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