No domingo passado, fui assistir a um concerto no Teatro Municipal às onze da manhã. OK,
não é tão cedo, mas convenhamos que poucos brasileiros saem da cama antes das
nove da manhã de um domingo preguiçoso para assistir a um concerto. O mérito
foi todo de George Gershwin, talvez
o compositor americano "mezzo erudito, mezzo popular" mais famoso do finado século
XX. Naquela manhã, a Orquestra Experimental de Repertório (OER), com mais de 80
músicos e regência do maestro Carlos Moreno, iria interpretar o lindo Concerto
em Fá maior para piano e orquestra do compositor, com solo do pianista
Rogério Zaghi. E Gershwin é sempre irresistível, até mesmo num domingo de manhã.
O repertório também incluiu, entre outras peças, o belo prelúdio
Alvorada
da ópera Lo Schiavo (O
Escravo), de nosso Antônio Carlos Gomes. Para quem não sabe, a
famosa "cornetinha" tocada para anunciar o início dos concertos na sala São
Paulo é um solo de trompete extraído dessa abertura.
Com ingressos por apenas cinco reais e R$ 2,50 a meia entrada,
aquele concerto foi uma ótima oportunidade para quem nunca havia visitado o
Teatro Municipal conhecer, de dentro, essa que é uma das obras históricas e arquitetônicas
mais belas de São Paulo.
A arquitetura do teatro centenário tem estilo eclético e nos remete a uma São Paulo infinitamente mais bonita e cultivada - Foto: Simone Catto |
Detalhe de janela com lindos vitrais - Foto: Simone Catto |
Ao chegar às escadarias, topei com um enorme e ruidoso grupo de adolescentes
vestindo camisetas iguais de um laranja bem vivo. Pelo perfil, uniforme e idade
dos jovens, deduzi que se tratasse de alunos de escolas públicas reunidos para
o passeio. O saguão do teatro ficou lotado com um festival de selfies. Alguns tiravam fotos tendo as
belas esculturas ao fundo. Outros saíam para o terraço do terceiro andar, tirando
fotos com vista para a rua. E postavam-se também à frente dos espelhos, dos frisos
dourados, fotografavam a pintura do teto. Todos estavam excitados e maravilhados
com aquela suntuosidade toda, o tipo de cenário que provavelmente conheciam
apenas pelas telas da TV ou pela Internet.
Das escadarias, avistamos as coloridas janelas do café administrado pelo restaurante Santinho, o mesmo do Instituto Tomie Ohtake. Foto: Simone Catto |
A pintura do teto também encantou os meninos de laranja - Foto: Simone Catto |
E esse detalhe encantou a mim! - Foto: Simone Catto |
Quando o concerto começou, notei que metade da plateia, onde estavam os melhores lugares, havia ficado vazia, e que outros bons lugares também
haviam ficado desocupados. Achei um absurdo, pois, ao comprar os ingressos,
aqueles lugares não estavam mais disponíveis e tive de me contentar com o
Balcão Simples lateral, que possibilita uma visão apenas parcial da orquestra.
Ocorre que os melhores lugares são reservados para os patrocinadores, estes não comparecem aos espetáculos e esses lugares ficam desocupados, o que acaba
se tornando um desrespeito com os espectadores que, assim como eu, não
conseguiram posições melhores. O teatro deveria estipular um horário máximo
para entrada na sala de espetáculo e, findo esse horário, as pessoas que lá estão deveriam
ter o direito de ser remanejadas para ocupar os bons lugares ociosos. Os meninos
de camiseta laranja poderiam estar sentados lá na frente, por exemplo.
Outra falha é que não havia programa disponível para as pessoas saberem o que estavam ouvindo. Algo inadmissível, em se tratado do Teatro Municipal da cidade mais importante da América Latina. Infelizmente, aqui no Brasil, nunca podemos esperar grande coisa das instituições que são geridas pelo poder público. Até mesmo em São Paulo.
A visão do Balcão Simples onde eu estava é bastante prejudicada, enquanto que boa parte dos lugares da plateia central permaneceu exatamente assim: vazia - Foto: Simone Catto |
Devo dizer que, desde o início do concerto, os jovens uniformizados de laranja eram os espectadores
mais atentos e educados da plateia. Não falavam, prestavam atenção na orquestra
e pareciam hipnotizados com o solo de piano do concerto de Gershwin. Isso me
deixou feliz. Certamente, aquela era uma experiência tão distante do dia a dia
e da realidade de cada um, que me pergunto qual efeito ela deve ter exercido
sobre as mentes e espíritos daqueles meninos e meninas. Faço votos que o nome do prelúdio
de Carlos Gomes, "Alvorada", simbolicamente represente o alvorecer de uma nova
consciência do belo e da arte para aqueles jovens com camisetas cor de sol. Espero,
francamente, que aquelas duas horas em que eles permaneceram NAQUELE ambiente,
ouvindo AQUELA música, tenham marcado indelevelmente seus corações e despertado
em suas mentes uma centelha de desejo pelo fazer ou fruir artístico. Ou, pelo menos,
que tenham alertado seus nervos mais sensíveis de que existe um mundo melhor, com
boa música, boa arquitetura e beleza construída pelos homens. Homens que um dia
eles poderão vir a ser, beleza que um dia eles também poderão construir.
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