sábado, 28 de novembro de 2015

Marcelo Bratke, o pianista que enganou a luz.

Ele começou a tocar piano aos 14 anos, uma idade considerada tardia na história dos virtuoses. Ele era praticamente cego, mas não deixava o mundo saber disso. Ele é um dos maiores pianistas brasileiros. Estou falando de Marcelo Bratke, que tocou os 24 Prelúdios de Chopin (1810-1849) e deliciosas valsas e tangos de Ernesto Nazareth (1863-1934) em um recital num inesquecível domingo de outubro no Teatro do Sesi, na Avenida Paulista.

Eu já conhecia Marcelo Bratke, mas nunca havia assistido a um concerto ao vivo desse pianista brasileiro que reside em Londres desde 1992 e conquistou fama internacional. O CD que gravou dedicado ao "Grupo dos Seis", de Jean Cocteau, foi considerado pela revista britânica Gramophone como “uma das melhores gravações eruditas de todos os tempos”. Os Prelúdios de Chopin são peças mais introspectivas, melancólicas, e a interpretação de Marcelo é extremamente elegante, sem os derramamentos apaixonados que caracterizam outras peças do compositor. Sua técnica impecável também conferiu um brilho especial às peças de Ernesto Nazareth, expressando uma alegria e leveza contagiantes.

Marcelo tem uma trajetória admirável, sobretudo se considerarmos que nasceu com uma rara doença da visão, uma espécie de catarata que lhe permitia enxergar apenas 7% com um olho e 2% com o outro. Certa vez, aos 14 anos, ele ouviu o pai tocar o Prelúdio nº 4 de Chopin e resolveu imitá-lo ao teclado. Meia hora depois, já tocava a composição de ouvido. O pai, vislumbrando o talento do menino, resolveu contratar uma professora. Foi a melhor coisa que fez. Marcelo passou a desenvolver, então, técnicas especiais para aprender e memorizar as partituras. Um exemplo: depois de escutar as notas musicais, ouvindo um disco, ele lia a partitura bem de perto, nota por nota, até memorizá-la. E memorizava muito mais rápido do que qualquer outro pianista. Quando tinha 16 anos, tocou piano em uma festa, em São Paulo, e foi descoberto pelo maestro Eleazar de Carvalho. A partir dali, sua carreira deslanchou.

O pianista, porém, nunca admitiu que fosse cego e tampouco se sentia como tal. Desde cedo desenvolveu mecanismos para driblar sua condição, inclusive depois de conquistar uma carreira internacional, brilhar em festivais e concursos de música clássica e se apresentar em grandes salas de concerto pelo mundo. Com ou sem o acompanhamento de uma orquestra, Marcelo entrava no palco, sentava-se ao piano, tocava divinamente, agradecia os aplausos, saía e ninguém percebia que ele não enxergava. Um assombro. Após esconder sua deficiência visual por 40 anos e ser desaconselhado por vários médicos a tentar uma cirurgia para recuperar a visão, o virtuose encontrou um oftalmologista em um hospital de Boston, EUA, que detectou boas possibilidades de melhora. Assim, há alguns anos Marcelo fez um cirurgia que, felizmente, foi muito bem-sucedida: conseguiu recuperar 90% da visão em um dos olhos e passou a enxergar o mundo. Ao perceber as cores com toda a sua vivacidade, deu-se conta da precariedade de sua visão anterior, descobriu um novo universo e conseguiu ampliar ainda mais a plateia disposta a ouvir e aprender com seu lindo piano.

O fato é que Marcelo veio a este mundo com a missão de encantar as pessoas com sua música e nenhum obstáculo poderia impedi-lo de se tornar o grande virtuose que é, um virtuose anos-luz à frente de tantos pianistas que não enfrentaram um décimo das dificuldades que ele enfrentou. Marcelo Bratke tem o meu respeito e eterna admiração.

Confira, abaixo, uma amostra dos Prelúdios de Chopin e o trecho de uma entrevista do pianista durante o Festival de Inverno de Campos do Jordão, em julho de 2015.




E aqui, a deliciosa interpretação de Marcelo Bratke do choro "Brejeiro", de Ernesto Nazareth, no concerto a que tive oportunidade de assistir, no Teatro do Sesi!



Se você gosta de piano, fique de olho para não perder o próximo concerto deste grande artista!

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