terça-feira, 30 de abril de 2013

Renato Brolezzi revela os segredos de 'O Banho de Diana', de François Clouet.

Já viraram tradição, no MASP – Museu de Arte de São Paulo, as aulas concorridíssimas que o prof. Renato Brolezzi ministra um sábado por mês sobre uma obra do acervo. Em abril foi a vez da tela 'O Banho de Diana' (1559-60), do francês François Clouet (1510-72). Para "variar", o Grande Auditório ficou superlotado e quem não chegou cedo não pegou lugar.


E mais uma vez o Grande Auditório do Masp ficou lotado! - Foto: Simone Catto

François Clouet - 'O Banho de Diana' (1559-60) - óleo s/ madeira - Foto: www.masp.art.br

Dentre os tantos mestres franceses que conhecemos, é fato que não ouvimos falar muito de François Clouet. No entanto, Brolezzi explicou que o pintor pode ser considerado, possivelmente, o maior da França no século XVI. Seu pai, Jean Clouet, foi o pintor oficial do rei François I, da dinastia dos Valois, que governou o país entre 1515 e 1547 e convidou vários artistas italianos para trabalhar a Paris. Vale lembrar que a fama do Renascimento italiano havia ultrapassado fronteiras e os serviços de seus artistas eram disputados a tapa pelos nobres de outros países europeus. Sim, possuir obras italianas dava status! 

Seguindo a tradição do pai, François Clouet também se tornou o pintor oficial da corte de Henri II, filho de François I que governou o país entre 1547-59.

François Clouet - 'Henri II'
À primeira vista, já dá para notar que as figuras de 'O Banho de Diana' foram fortemente influenciadas pelo Renascimento italiano, notadamente Michelangelo e Leonardo da Vinci – basta notar a modelação dos corpos e o tratamento dado à musculatura das figuras masculinas. Por outro lado, a forma como os planos estão dispostos na pintura e a riqueza de detalhes da vegetação remetem diretamente a uma tapeçaria flamenga.

A sinuosidade dos traços e as figuras alongadas são típicas do Maneirismo, caracterizado pela imitação de obras de artistas que superaram a natureza. Clouet fez quatro versões dessa pintura.

É inegável que a obra já é belíssima por si só. No entanto, ela torna-se ainda mais interessante se conseguirmos decifrar ou pelo menos entender um pouco o que ela representa.

Vamos lá. De acordo com a mitologia grega, Diana, deusa da lua e da caça, era irmã gêmea de Apolo e nenhum mortal poderia vê-la nua, sob risco de sofrer um castigo terrível. No entanto, por um infeliz acaso, o caçador Acteon se deparou com a deusa nua no bosque, no momento em que ela se banhava auxiliada por duas ninfas e uma criada. Como castigo, Diana transformou o pobre homem num cervo e ele foi destroçado por seus próprios cães, que não o reconheceram. Boazinha ela, não? 

Na pintura, visualizamos o caçador em dois momentos: ao fundo, do lado esquerdo, enquanto se aproxima com o cavalo e surpreende a deusa. E do lado direito, já sendo devorado por seus cães. Enquanto isso, dois sátiros observam Diana em seu momento de intimidade. Mais do que a própria deusa, o grande personagem da obra é o poder do acaso, ao mostrar como o inesperado pode arruinar toda uma vida. Se o pobre caçador não tivesse tido a infelicidade de passar por lá justo naquele momento... estaria vivo e feliz ao lado de seus companheiros caninos. 

Contudo, a imagem pode estar nos transmitindo muito mais do que uma simples cena mitológica. Isto porque, ao analisarem as fisionomias das figuras, estudiosos descobriram que elas se assemelham a rostos de alguns membros da nobreza francesa, mais precisamente da poderosa família Guise, da dinastia dos Valois.

Uma das hipóteses diz que Diana seria Catarina de Medici, a esposa do então rei Henri II, personificado na figura do caçador. Diana olha para ele, bem como uma das ninfas, que seria Diane de Poitiers, sua amante preferida. Os sátiros e a outra ninfa também representam membros da família Guise.

Diz a história que Henri II presenteou  Diane com o Castelo de Chenonceau, no Vale do Loire, e que ela possuía grande influência sobre o monarca. Compreensivelmente, era odiada pela esposa oficial, Catarina.

O gracioso Castelo de Chenonceau, no Vale do Loire, presenteado a Diane de Poitiers por Henri II. 
Foto: www.chateaux-de-la-loire.fr.

Na pintura abaixo, 'Dama no Banho', Clouet teria feito uma alegoria sobre uma suposta gravidez de Diane de Poitiers, que esperaria um filho bastardo do rei.

François Clouet - 'Dama no Banho' (1571) 

O rei morreu em circunstâncias trágicas: na festa de casamento de uma das filhas, foi perfurado por uma lança durante um torneio. Imediatamente, Catarina de Medici confiscou o castelo que ele havia presenteado a Diane e exilou-a num pequeno palácio na cidadezinha de Anet, perto de Paris. O frontão do palácio, que tem um relevo da deusa 'Diana Caçadora', é de Benvenuto Cellini. Para Diane, residir ali foi a desgraça, enquanto que a maioria dos mortais certamente não desprezaria uma "casinha" como aquela!

O castelo de Anet, na Normandia, onde Diane de Poitiers foi exilada após a morte do rei - Foto: www.richesheures.net

O frontão de Benvenuto Cellini representando a deusa Diana - Foto: www.commons.wikimedia.org 

Henri II teve vários filhos com Catarina de Medici e os únicos homens que sobreviveram foram François II, Charles X e Henri III, conhecidos como "os três reis malditos" por sua má sorte e por não terem gerado filhos homens, extinguindo assim a dinastia católica dos Valois. Vale lembrar que, à época, a Lei Sálica determinava que somente homens poderiam ocupar o trono da França.

Como não sobrou nenhum homem para continuar a história dos Valois, quem assumiu o trono, em 1589, foi Henri IV, membro da família rival Condé, protestante, dando início à dinastia dos Bourbon. Posteriormente, Henri IV casou-se com Marguerite de Valois.

Esse breve relato histórico foi apenas para que conhecêssemos um pouco do contexto em que tudo aconteceu e no qual a obra foi realizada. Dá para perceber que na dinastia dos Valois as intrigas palacianas deviam ser uma constante e os artistas que desfrutavam da intimidade da corte, como François Clouet, não raro utilizavam a linguagem pictórica "cifrada" das alegorias e da mitologia para retratar determinadas situações vivenciadas pelos nobres que lhes eram próximos.

Por isso, mais do que aulas de história da arte, as palestras do Prof. Renato Brolezzi no MASP são verdadeiras aulas de história da civilização que, a cada edição, aumentam ainda mais nossa paixão pela arte e nossa vontade de decifrar seus mistérios.

Portanto, fique ligado(a)! A próxima aula será realizada no sábado, dia 4 de maio, das 11h às 13h. Será abordada a obra ‘O poeta Henry Howard, conde de Survey’, de Hans Holbein, o jovem. Vale lembrar que as aulas são gratuitas e ministradas no Grande Auditório do MASP. Av. Paulista, 1578. Tel.: 3251-5644 – www.masp.art.br

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