sábado, 16 de novembro de 2019

A Arles galo-romana: um presente com mais de 2.000 anos.

Em minha última viagem à Provence, visitei cidadezinhas que são na realidade vilarejos com menos de dois mil habitantes, e também cidades maiores, embora nenhuma destas se compare, em dimensões, aos mastodontes que temos no Brasil. Uma das cidades onde estive é Arles, no departamento de Bouches-du-Rhône, que possui pouco mais de 50 mil habitantes e que eu já conhecia dos livros de história por causa de seu monumento mais famoso, o anfiteatro romano também conhecido como Amphithéâtre d'Arènes.

Vista externa do Amphithéâtre d'Arènes - Foto: Simone Catto

Como era de se esperar, foi para lá que rumei assim que cheguei à cidade. Queria ver de perto aquele prodígio da arquitetura ancestral. O imponente anfiteatro, que foi palco de jogos e combates no século I d.C., é o maior e mais bem preservado monumento arqueológico de Arles. A impressionante arena com 136 metros de comprimento e 107 metros de largura acomodava cerca de 21 mil espectadores contra os 12.500 que atualmente assistem a touradas, shows e outros espetáculos. 

O entorno do anfiteatro é repleto de lojas de souvenirs, de roupas e cafés - Foto: Simone Catto

Outro ângulo externo da bela e bem preservada construção romana - Foto: Simone Catto

A sensação de circular aqui dentro é fantástica! - Foto: Simone Catto

É mesmo uma bela construção. A fachada possui uma fila dupla de arcadas com 60 arcos menores e quatro maiores que são as entradas principais. Na época romana, os espectadores sentavam em 34 fileiras de degraus que eram cobertos com tábuas de madeira. Durante a Idade Média, foram adicionadas torres com escadas de onde dá para tirarmos belas fotos da cidade.

Corredor entre as arcadas duplas - Foto: Selma

Foto: Simone Catto
  
Vista do alto de uma das torres do anfiteatro - Foto: Simone Catto

Nesta foto dá para notar bem a solidez da construção - Foto: Simone Catto

E como se não bastasse um anfiteatro, Arles tem dois, ambos próximos. O outro, menorzinho, é chamado de Théâtre Antique e foi construído no reinado de Augustus um século antes do outro, no ano I a.C., no coração da cidade antiga. Este acomodava oito mil pessoas em 33 fileiras de assentos e a parte de trás do palco era decorada com colunas e estátuas.

Entrada do Teatro Antigo - Foto: Simone Catto

O interior do gracioso teatro romano - Foto: Selma

Na parte de trás do palco dá para vermos fragmentos das colunas - Foto: Simone Catto

A maioria das relíquias escavadas no local pode ser apreciada no Musée Lapidaire d'Art Païen, à exceção da descoberta arqueológica mais preciosa, a 'Vênus de Arles' que se encontra no Louvre, em Paris. No início da Idade Média, o teatro foi usado como pedreira e forneceu o material para a construção do prédio da prefeitura. Também lá são realizados, atualmente, shows musicais e outros espetáculos. No dia de minha visita, uma banda fazia a passagem do som.

Ruínas do Teatro Antigo - Foto: Simone Catto

Foto: Simone Catto

Enquanto eu explorava o lugar, a banda testava a acústica... - Foto: Simone Catto

E a herança galo-romana assombrosamente bem preservada da cidade não para por aí. Mais para cima, às margens do rio Ródano, estão as Termas de Constantino, outro testemunho arquitetônico da prosperidade da cidade à época. As termas, que mais parecem um palácio, são um extenso complexo para saunas e banhos que data do início do ano 4 d.C., construído sob as ordens do imperador que lhe dá o nome. Lugares públicos frequentados por todos, inclusive mulheres, crianças e escravos, essas termas eram incorporadas à vida da cidade e indispensáveis para o conforto no dia a dia dos cidadãos.

Vista externa das Termas de Constantino - Foto: Patrimônio da Cidade de Arles

O traçado original das Termas - Foto: Simone Catto

Originalmente, as Termas de Constantino cobriam cerca de 3.750 m², dos quais restam, atualmente, 1.100 m² que abrangem o Caldarium (banho quente), partes do Hypocausto (calefação sob o piso) e o Tepidarium (sala de vapores quentes).

Entrada das Termas - Foto: Simone Catto

Os romanos utilizavam sofisticados sistemas de aquecimento. O calor provinha do ar quente que circulava nos subsolos, os Hypocaustos, alimentados por pequenos fornos no interior dos muros. O solo era elevado para que o calor pudesse ser gerado sob ele. A temperatura chegava a 30°C, podendo alcançar até mesmo os 60°C. A esse respeito, ao contrário do que muita gente possa pensar, vale ressaltar que não era a água a grande estrela desses lugares, mas os vapores, as saunas. Em outras palavras, os romanos adoravam suar em bicas (rs).

Abaixo, à esquerda, as colunas de tijolos chamadas
pillettes, por onde circulavam os vapores de aquecimento
sob o solo - Foto: Simone Catto

Forno do Hypocausto - Foto: Simone Catto

Os visitantes alternavam banhos quentes e frios em piscinas com temperaturas variadas e seguiam um trajeto recomendado pelos médicos. Primeiro a pessoa despia-se no vestiário, praticava exercícios físicos, tomava um banho na piscina externa e finalmente ia para o Tepidarium, uma sala termal aquecida com temperaturas entre 25°C e 30°C.

Em seguida, o banhista passava por uma sauna seca e outra úmida, para limpar as impurezas dos poros antes de dirigir-se ao Caldarium, um vasto espaço coletivo com temperatura de 55°C, para um banho de limpeza. Lá havia piscinas rasas com águas quentes e o banhista então espirrava água no corpo enquanto se esfregava com uma espécie de lixa metálica, pois não existiam sabonetes entre os romanos. O Caldarium, com seu teto abobadado, é o ambiente mais importante preservado na atualidade.

Vista do Caldarium - Foto: Simone Catto

A última etapa era o Frigidarium, onde o feliz visitante tomava um banho frio para tonificar a pele e nadar ao ar livre antes de receber uma massagem com óleos perfumados pelos escravos, se depilar (sim, romanos também eram metrossexuais!) e descansar nos bancos de mármore. Cultura física, leitura, passeios, descansos e conversas faziam parte das atividades no lugar. Vida boa, a desses romanos!

Mas é bom reforçar que, por várias vezes, em minha jornada ao sul da França, descobri que o patrimônio histórico e cultural das cidades podia extrapolar, e muito, aquilo que está nos livros. Com Arles não foi diferente. A cidade tem atrações que vão muito além da herança galo-romana, avançando séculos à frente. No próximo post, vou mostrar algumas delas e também fotos que tirei em minhas andanças por suas ruas. Aguarde!

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