O mexicano 'Roma', dirigido por Alfonso Cuarón, conta uma história OK que foi valorizada pela bela fotografia
em preto e branco, recurso estético que, diga-se de passagem, pode funcionar até
certa medida para mascarar ou resgatar roteiros fracos. Aliás, uma boa tática
para saber se um filme em preto e branco é bom ou não é imaginá-lo colorido.
Se ele resistir bravamente, mesmo que não tenha o mesmo appeal de seu original em preto e branco, é porque é bom. Porém, ao
fazer o mesmo exercício com 'Roma', cheguei à dolorosa conclusão de que, se
fosse colorido, o filme desbotaria de vez. E as emoções que desperta, já suficientemente pálidas, correriam sério risco de se tornar invisíveis. E mais: 'Roma' é um filme
de silêncios, o que em tese é ideal para suscitar estados reflexivos, mas em
seu caso não funcionou. Não para mim, pelo menos. Para um filme de "silêncios" ser
grande, os recursos que entremeiam seus silêncios – leia-se: roteiro, direção,
atuações - precisam ser superlativos, o que, repito, em minha opinião, não
ocorreu. Gostei da atuação da protagonista, Yalitza Aparicio, que nos brinda com alguns momentos tocantes, mas ela não foi suficiente para segurar o filme. Temos, portanto, uma produção apenas mediana que não justifica uma indicação
ao Oscar.
Já a 'A Favorita', com direção de um grego chamado Yórgos Lánthimos, tem um roteiro regular, uma belíssima produção,
o que para mim foi seu maior trunfo, e boas atuações das atrizes. Ocorre que
Emma Stone "já deu", como se diz por aí. Virou chichê, uma espécie de atriz-caça-voto-para-Oscar,
com sua beleza inexpressiva. Cansou. É curioso como outras
atrizes, igualmente bonitas e talentosas, podem se repetir indefinidamente nas
telas e não cansar nunca. É o caso de Juliette Binoche, Cate Blanchett, Naomi
Watts ou mesmo a almodovariana Penélope Cruz. Todas divas. 'A Favorita' chamou
minha atenção pela luxuosa produção e pela fotografia, até porque me agradam os filmes ditos "de época", mas me
despertou emoções tão rasas quanto o olhar de Emma Stone. Merece concorrer ao
Oscar de Melhor Filme? Novamente, em minha opinião, não.
Porém, há outro filme, terno e singelo, que considero de longe melhor que 'Roma' e 'A Favorita', mesmo com toda a sua simplicidade: 'Poderia me perdoar?'. Dirigido por uma certa Marielle Heller e adaptado
da autobiografia de Lee Israel (1939-2014), conta a história real de uma decadente
escritora nova-iorquina, cinquentona, alcoólatra e antissocial, que acha um meio - digamos, inusitado,
para pagar as inúmeras contas atrasadas que se empilham em sua mesa: forjar cartas de celebridades artísticas e
literárias. A verdadeira Lee Israel fez exatamente isso no início da década de
90, mais por desespero do que por ganância. Após uma promissora trajetória como escritora
nos anos 70 e 80, Israel teve um bloqueio criativo, talvez causado pela bebida,
e amargou um ostracismo acompanhado de crescentes dificuldades financeiras. A
escritora se lançou então à carreira de falsária e, segundo especialistas, forjou
brilhantemente dezenas de cartas, a maioria de grandes personalidades literárias, as quais vendeu a livreiros e colecionadores antes de ser desmascarada e condenada pela Justiça de Nova York.
Richard Grant (Jack Hock) e a protagonista Melissa MacCarthy (Lee Israel), um poço de expressividade. |
Achei o filme muito bom por vários motivos. Número um: conta uma
história formidável, verídica e muito bem costurada num roteiro impecável. Porque
é isso. Podemos ter a história mais interessante do mundo, mas, se o roteiro
não for bom, pode esquecer. Mata o filme a navalhadas. Não à toa, 'Poderia me
perdoar' está concorrendo ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado. Palmas para a
roteirista Nicole Holofcener.
Número dois: a atriz principal, Melissa McCarthy, interpreta divinamente a escritora Lee Israel, com toda a pujança e expressividade
que a personagem exige. Desmazelada, mal vestida e afogada em incontáveis doses de
bebida, Lee é a própria imagem de uma irremediável perdedora. Chega um momento,
no filme, que a gente até torce para que suas trambicagens deem certo, tamanha
a simpatia que a pobre mulher inspira. Melissa concorre ao Oscar de Melhor
Atriz e, embora eu não tenha visto os trabalhos de duas das indicadas, Lady Gaga (hã?)
e Glenn Close, creio que deveria levar a estatueta com todo o louvor. E cá entre nós, desde quando Lady Gaga
é atriz? Afff... Só sei que Melissa McCarthy dá um banho de interpretação e achei-a superior a Yalitza
Aparicio, que concorre com 'Roma', e Olivia Colman, com 'A
Favorita'. Sem falar que as demais atuações do filme também são excelentes, com
destaque para Richard Grant, que interpreta Jack Hock, um gay sessentão quase
indigente, desocupado e picareta, que se torna amigo da escritora. Sim, temos
aqui uma história de perdedores magnificamente contada. Grant também concorre
ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante e sua indicação é mais do que merecida.
A verdadeira Lee Israel (1939-2014) |
Tudo bem que 'Poderia me perdoar?' possa ter exercido um apelo especial
sobre minha sensibilidade pelo fato de contar uma história tocante que se passa
no universo das letras, que me é tão caro e está tão imiscuído em meu dia a
dia, mas, mesmo analisando-o com isenção, posso dizer sem pestanejar que
se trata de um excelente filme. Quem "não poderia se perdoar" em perdê-lo é o leitor empático com alma sensível, amante de cinema e de livros. Assisti no Shopping Frei Caneca e creio que ainda
deva estar em cartaz por lá. Confira o trailer:
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