Vamos por partes. Começando pela Bienal. Devo dizer, aliás, que não
vejo outra forma de me referir a essa edição da Bienal se não for por partes,
literalmente. Explico. O curador, o espanhol Gabriel Pérez-Barreiro, dividiu a
curadoria com mais sete artistas-curadores, na condição de que os próprios
também tivessem obras expostas. Assim, cada um ficou responsável por uma parte.
A lista incluiu dois brasileiros, mais dois
latinos, dois europeus e uma americana que vive na África. Segundo Pérez-Barreiro,
essa decisão foi tomada com o intuito de romper o suposto autoritarismo
inerente a sua função. Além disso, ainda segundo o curador-chefe, o formato
seria uma resposta a um “mundo de verdades prontas, onde a
fragmentação da informação e a dificuldade de concentração levam à alienação e
passividade” dos indivíduos.
E lá fui eu visitar a dita cuja. De cara, estranhei a imensa
quantidade de espaços vazios, cheios de nada. O que mais senti foi alienação e
fragmentação, justamente o contrário do que pretendia o curador. Isso pode
ter-se dado devido a algum tipo de limitação minha, mas não percebi, na
expografia, as tais “Afinidades Afetivas” que batizam a mostra - nem entre as
obras e nem entre mim e o conjunto que estava exposto. A única coisa com a qual
senti verdadeira afinidade afetiva, falando sério, foi a vontade de cair fora o
mais rápido possível para tomar um café contemplando as árvores do Ibira.
Anybody home?... - Foto: Simone Catto |
Cada parte, ou módulo expositivo, estava separado do outro por
uma espécie de “estação de conversa”, ou seja, espaços com bancos para fins
educativos ou para descanso. No dia de minha visita, uma manhã de sábado, fantasmas
conversavam animadamente nessas estações – só lamento minha percepção
extra-sensorial não ser suficientemente desenvolvida para que eu pudesse ter participado
das conversas.
O papo dos ghosts estava animadíssimo... - Foto: Simone Catto |
Não vou entrar no mérito das obras, mas à medida que ia andando,
sentia falta de textos explicativos próximos a elas, tão necessários para que
as pessoas possam entendê-las, já que há anos a arte conceitual reina soberana
nas Bienais. Ou alguém é obrigado a entender que mensagem o artista quis
transmitir ao encravar dois pregos paralelos numa parede branca? Ainda que uma
obra de arte possa ter uma leitura aberta, mesmo que tenhamos feito uma
interpretação subjetiva, é importante compreendermos o que o artista pretendeu dizer.
Tudo bem que a organização disponibilizou um audioguia com textos explicativos
e entrevistas no Spotify, que pode ser acessado por smartphones, mas não é todo
mundo que está disposto a ficar escravo de celular até numa exposição de arte –
aí incluída esta que vos escreve. Eu, particularmente, quando visito uma
exposição, busco uma experiência sensorial integrada, isto é, gosto de observar
as pessoas, ler reações, ouvir os comentários, enfim, absorver a vida que
permeia as obras. Melhor visitar a exposição de Ai Weiwei, ao lado – esta sim, aliás,
deveria se chamar ‘Afinidades Afetivas’.
Obra de Lúcia Nogueira (1950-1998), que desenvolveu sua carreira em Londres. Sorry, but... - Foto: Simone Catto |
Vamos então falar do artista chinês. Antes mesmo de chegar à Oca
para visitar sua exposição ‘Raiz’, eu – e provavelmente boa parte das pessoas
que acompanham notícias culturais nas mídias on e off-line - já havíamos sido
impactadas pela grande publicidade que ele tem recebido na imprensa. Em razão
dessa divulgação, passamos a conhecer o homem por trás da obra, suas motivações
e aspirações, o que já é meio caminho andado para compreendermos seu trabalho.
O artista dissidente que se tornou exilado em seu próprio país e
foi proscrito, inclusive com prisão, por um Estado arbitrário e autoritário, não
se fez de rogado. Roda o mundo e produz, em diferentes países, suas obras de
dimensões monumentais, como se elas denunciassem, aos brados, a situação de
outros seres humanos que, assim como ele, foram apartados de sua própria terra
natal ou de sua dignidade por motivos que há muito já deveriam ter sido
erradicados da face da Terra: fome, guerra, corrupção, repressão, perseguição. A
esse respeito, é bem sintomático o título da mostra, ‘Raiz’, já que o próprio
artista foi tantas vezes espoliado de suas raízes.
A instalação a seguir, ‘Straight’ (Reto), está sendo exibida
pela primeira vez em sua versão integral e pode ser considerada uma obra-denúncia.
Ela é composta por 164 toneladas de vergalhões
de aço dos escombros de escolas públicas de Sichuan, Sudoeste da China, abaladas
por um terremoto que matou 5 mil crianças em 2008. Vale ressaltar
que, na ocasião, muitos prédios particulares resistiram à catástrofe, o que só
evidencia a péssima qualidade da construção dos prédios públicos, destinados
aos cidadãos comuns. O número de óbitos e os nomes das vítimas nunca foram divulgados
pelo governo chinês, mas o artista e seus assistentes descobriram e os revelaram
na obra. Com uma paciência digna de Penélope, eles recolheram os vergalhões completamente
retorcidos das escolas e os desentortaram, um a um, até formarem esse conjunto.
'Reto', de Ai Weiwei: obra-denúncia - Foto: Simone Catto |
Com 70 obras, esta é a maior exposição de Ai Weiwei montada até
agora em todo o mundo. Vale ressaltar que a dimensão humana do artista
transcende mesmo seu trabalho, já que por inúmeras vezes ele pessoalmente
prestou assistência a pessoas em situação de risco em países como a Síria e o
Afeganistão, entre outros, tendo inclusive produzido o documentário ‘Woman Flow’, sobre a crise mundial dos
refugiados.
As duas imagens abaixo fazem parte da obra ‘Terra de Raízes’ (2018),
criada em Trancoso, na Bahia, e que é composta por 17 raízes de árvores brasileiras
e troncos derrubados por desmatamentos ou causas naturais. (Em tempo: os nomes
atribuídos às imagens são molecagem minha, OK? Pipocaram em meu cérebro no
momento em que bati os olhos nelas e não resisti, rs.)
"Útero" (brincadeirinha...) - 'Terra de Raízes', de Ai Weiwei Foto: Simone Catto |
"Pas-de-deux" (outra brincadeirinha...) - 'Terra de Raízes', de Ai Weiwei - Foto: Simone Catto |
Mesmo que você não seja um aficionado de arte contemporânea, portanto,
vale a pena visitar a mostra de Weiwei, nem que seja a título de informação e
curiosidade.
Tanto a Bienal quanto a exposição ‘Raiz’ estão no Parque do
Ibirapuera, uma no próprio Pavilhão da Bienal e a outra na Oca. A Bienal vai
até 9/12, com entrada franca (infs: www.bienal.org.br), e a exposição ‘Raiz Weiwei’
vai até 20/1/2019, com entrada a R$ 20,00 (infs.: https://parqueibirapuera.org/ai-weiwei-faz-exposicao-na-oca-do-parque-ibirapuera).
Nenhum comentário:
Postar um comentário