Eu, que sou apaixonada por café e nunca
entendi muito bem por que uma cidade monumental como São Paulo tem
proporcionalmente tão poucos cafés para chamar de seus, me senti em casa em
Viena, até porque minha casa sempre tem café. Pensando melhor, acho que até entendo por que
São Paulo carece tanto desse tipo de estabelecimento: cafés foram feitos para
gente que não tem pressa. Em Viena notei que as pessoas não se deixam engolir pela
voragem das horas, porque são elas que mandam em seu tempo - e ele obedece docemente. Vienenses
se encontram nos cafés para conversar se olhando nos olhos, sem checar as redes
sociais a cada cinco minutos. Smartphones são solenemente ignorados, inclusive
pelos jovens. As pessoas degustam um vinho lentamente e com prazer, saboreiam um
schnitzel ou simplesmente tomam um espresso com apfelstrudel com toda a
calma do mundo. E fazem isso na hora do almoço, ao fim do expediente, nos fins
de semana, misturadas aos turistas. Em todos os cafés que visitei ouvi gente falando
alemão nas mesas vizinhas, com jeito de que havia saído do trabalho. Parece que
lá eles sabem viver, e isso é cultural.
Os ambientes dos cafés, cada um com seu
estilo, sempre são convidativos para uma conversa. Há os mais tradicionais e
com decoração mais rebuscada, como o Café
Central, e outros mais despojados, como o Café Museum e o Café Mozart. Em
comum, todos oferecem extensos cardápios com grande variedade de cafés e doces
e também especialidades salgadas. O fato é que dá para almoçar ou jantar muito
bem num café de Viena.
Instalado desde 1876 no Palácio Ferstel, concebido para ser o Banco Central e a Bolsa de Valores de Viena, o opulento Café Central é o mais conhecido de todos e está carregado de história. Construído entre 1856 e 1860 segundo o projeto do jovem arquiteto Heinrich von Ferstel (1828-1883), que voltou cheio de ideias de uma viagem à Itália, o prédio que abriga o café combina elementos da arquitetura veneziana, florentina e do período Trecento e era considerado o mais elegante de Viena.
O magnífico interior do Café Central impressiona de cara! Foto: Simone Catto |
O requinte está em cada detalhe - Foto: Simone Catto |
Quem resiste? - Foto: Simone Catto |
Lugar de agitação, charutos, café, xadrez e bilhar, o Café Central tinha mesas disputadas por Trotsky, Freud, Musil, Arthur Schnitzler, Stefan Zweig e vários outros escritores, poetas e figurinhas carimbadas da belle époque vienense, então chamados de "centralistas". Não é para menos: o Café Central sempre foi mesmo como um mundo à parte e uma maravilha para os olhos, daqueles lugares onde a gente entra e não quer mais sair. Os robustos portões de ferro forjado foram obra de um ourives e a fachada é adornada com esculturas do artista vienense Hanns Gasser (1817-1868). O interior suntuoso é decorado com estuque brilhante, pinturas ornamentais, revestimentos de couro e lindos painéis de madeira. Toda a construção custou à época quase dois mil florins, o equivalente, hoje, a 25 milhões de euros. Isso é ainda mais surpreendente ao sabermos que o governador do período, Franz von Pipitz, exigiu que "a construção fosse estritamente econômica e se evitasse o luxo sem valor". Pergunto-me quanto a obra teria custado se ele não tivesse feito tal "exigência"!
Abaixo está um amigo muito especial: Peter Altenberg (1859-1919). Poeta e escritor, foi um assíduo frequentador do Café Central e hoje se sente plenamente realizado como guardião da vitrine de doces (rs).
Peter Altenberg, meu novo amigo vienense - Foto: Simone Catto |
E nas paredes, figuras da nobreza austríaca - Foto: Simone Catto |
Fiquei tão apaixonada pelo Café Central que almocei no local em duas ocasiões durante minha viagem. Em ambas as vezes havia uma pequena fila à entrada, mas, como o lugar é grande e há alta rotatividade de clientes, não foi preciso esperar muito para entrar. Na primeira vez, peguei uma das mesas externas porque a temperatura estava boa. Nesse almoço, comi uma Terrine von gebratenem Gemüse - Terrine de vegetais assados com vinagrete de ervas e alface e confesso que, apesar do nome pomposo e da bela "estampa", achei-a terrivelmente insossa e sem graça. O que me salvou foi o vinho tinto da casa, que estava ótimo e cumpriu seu papel. Aliás, é incrível como em Viena é possível tomar bons vinhos a ótimos preços!
A fila na porta andava rápido - Foto: Simone Catto |
A Terrine era bonita, mas tinha gosto de cabo de guarda-chuva! (€9,50)... - Foto: Simone Catto |
A taça de vinho tinto da casa me salvou da terrine insossa (€3,10) - Foto: Simone Catto |
Em minha segunda visita, fiz questão de sentar no interior do café. Nesse dia, fui mais feliz na escolha do prato: pedi um Römersalat - Alface romana com peito de
frango grelhado, molho de parmesão, alcaparra e croutons e fiquei plenamente satisfeita.
A salada com peito de frango não me decepcionou (€10,20) Foto: Simone Catto |
O vinho nunca faltava! - Foto: Simone Catto |
A loira deve ter ficado umas duas horas escolhendo o doce... ainda bem que, como bom vienense, Peter é paciente! Foto: Simone Catto |
Outro detalhe importante que notei, não apenas no Café Central, mas em outros estabelecimentos também, é que os garçons e atendentes são sempre gentis e têm um sorriso no rosto. Talvez porque a vida lá também seja mais gentil, com gente civilizada e sem estresse.
Em breve publicarei as resenhas do Café
Museum e do Café Mozart, que também vale a pena visitar. Aguarde!
Se Viena estiver em seus planos de viagem, visitar o CAFÉ CENTRAL pelo
menos uma vez é obrigatório, nem que seja só para um cafezinho. Endereço: Ecke Herrengasse/ Strauchgasse 1010 W - Viena | Mais informações: www.cafecentral.wien - o site também tem versão em inglês.
Nenhum comentário:
Postar um comentário