É óbvio que muitas vezes o artista já
concebeu o desenho como obra final, autônoma, e não necessariamente como um
esboço preparatório para outra obra. Creio que as duas vertentes estejam
presentes na mostra 'Tesouros da
Fundação MAPFRE – obras sobre papel', atualmente no Museu Lasar Segall. A
exposição reúne 59 obras criadas por artistas de diferentes nacionalidades entre
o final do século XIX e meados do século XX, pertencentes ao acervo da
multinacional espanhola do ramo de seguros. Além de desenhos, há também aquarelas,
colagens, obras com técnica mista, mas sempre criadas sobre papel e
pertencentes a diferentes estilos: figurativas, abstratas, surrealistas, simbolistas,
dadaístas - algumas poéticas, outras dramáticas e algumas francamente irônicas.
Fui ao vernissage no dia 4 de julho,
terça-feira, mas havia tanta gente que não consegui apreciar direito a
exposição. Consegui retornar ao museu três dias depois para observar calmamente
as obras e selecionei algumas que chamaram minha atenção. Por vezes, a película de vidro que as protege prejudicou a foto, peço desculpas, mas mesmo assim dá para visualizá-las.
Noite do vernissage, 4 de julho - Foto: Simone Catto |
De cara, somos saudados por uma bela
espanhola de Francis Picabia
(1879-1953), um dos principais nomes do dadaísmo. Aqui, no entanto, o artista
deixou o dadaísmo de lado para representar sua espanhola de forma convencional,
com o característico pente no cabelo, traços delicados e olhos azuis.
Francis Picabia - 'Espanhola - Mulher com pente' (1922) - aguada e grafite s/ papel Foto: Simone Catto |
A outra espanhola da mostra é obra do
cubista Albert Gleizes (1881-1953), contemporâneo
de Picabia. Gleizes nos brinda com uma colorida e exuberante dançarina de
flamenco que, embora seja anterior à obra do primeiro, tem traços modernos.
Albert Gleizes - 'Bailarina Espanhola' (1916) - têmpera s/ papel - Foto: Simone Catto |
E já que falamos em cubismo, é evidente
que no acervo de uma organização espanhola como a MAPFRE não poderiam faltar obras
de Pablo Picasso (1881-1973).
Pablo Picasso - 'Arlequim e Polichinelo' (1924) - têmpera s/ papel - Foto: Simone Catto |
No entanto, sabemos que nem tudo foi
cubismo em Picasso... é o que mostra o nanquim a seguir, uma imagem pungente e
dramática da maternidade.
Pablo Picasso - 'Maternidade' (1902-3) - nanquim s/ papel - Foto: Simone Catto |
Já deu para notar que na mostra não
faltam expressivas representações de mulheres. Salvador Dalí (1904-1989), conterrâneo de Picasso, comparece com um
nu nada surrealista que remete de imediato à tradição clássica. Uma curiosidade: parece que o artista fez o desenho no primeiro papel que lhe caiu às mãos, já que dá para visualizar uma pauta impressa no verso, indicando que não se trata de um papel de desenho.
Salvador Dalí - 'Mulher' (1923) - grafite s/ papel - Foto: Simone Catto |
O nu do francês André Lhote (1885-1962), também criado em grafite, tem uma pose
menos convencional e um título muito feliz.
André Lhote - 'Bacante' (1910) - grafite s/ papel - Foto: Simone Catto |
E o que dizer da pastoral hedonista do
catalão Joaquim Sunyer (1874-1956)?
Impossível não lembrar das banhistas de Cézanne e das festivas personagens de
Matisse.
Joaquim Sunyer - 'Pastoral' (1918) - óleo e têmpera s/ papel - Foto: Simone Catto |
Porém, nem todas as mulheres parecem
estar se divertindo tanto... algumas estão sérias, pensativas, impenetráveis em
seus rostos simbolistas.
Fernand Khnopff (1958-1921) - 'A Desconfiança' (1893) platinotipia colorida com crayon em cores - Foto: Simone Catto |
Sir Edward Coley Burner-Jones (1833-98) - 'Retrato de uma jovem, possivelmente Maria Zambaco' (1874) - lápis s/ papel - Foto: Simone Catto |
Algumas senhoras estão ocupadas
organizando a agenda... como mostra o desenho abaixo, realizado com elegante economia de traços por Henri Matisse (1869-1954).
Henri Matisse - 'Mulher com agenda' (1944) - nanquim s/ papel - Foto: Simone Catto |
Edgar Degas (1834-1917) é um artista que fez incontáveis
estudos e desenhos. Ele frequentava os bastidores da Ópera de Paris e registrou,
sobre papel, centenas de bailarinas tendo aula, ensaiando, descansando, ajeitando
a roupa ou então em cena, no próprio palco. A maioria desses desenhos são obras
de arte da mais alta qualidade, suficientes em si mesmas, e vários também
serviram como estudos para pinturas a óleo que Degas criou posteriormente no
ateliê. O desenho da exposição é típico e não duvido que a bailarina
abaixo, com essa pose, tenha figurado em uma ou mais pinturas do artista.
Edgar Degas - 'Duas bailarinas' (c.1890) - carvão e sanguínea s/ papel-carbono - Foto: Simone Catto |
Invariavelmente, as mulheres do
austríaco Gustav Klimt (1862-1918) aparecem
altivas, orgulhosas de sua condição feminina. Como a mulher da imagem abaixo, que tem o
queixo elevado, sinal indiscutível de altivez, e parece sorrir feliz. A foto não
faz jus à grandeza da obra ao vivo, mas os belos traços e o inconfundível estilo de
Klimt estão inegavelmente presentes.
Gustav Klimt - 'Mulher sentada com chapéu' (c.1910) - grafite e lápis de cor azul s/papel japonês - Foto: Simone Catto |
A mulher do espanhol Isidre Nonell (1872-1911) também está
sentada, mas parece ter aspirações bem mais simples que a de Klimt.
Isidre Nonell - 'Mulher sentada' (1906) - lápis gorduroso e aguada de cor s/ papel vergê - Foto: Simone Catto |
A sátira implacável do alemão George Grosz (1893-1959) diverte na imagem
em que dois casais com intenções para lá de questionáveis compartilham a mesma
sala burguesa.
George Grosz - 'Uma tarde em Berlim' (1929) - aquarela, grafite e tinta s/ papel - Foto: Simone Catto |
Interessantes obras abstratas também
marcam presença na exposição e algumas se destacam pelo colorido vibrante, como
as obras de Paul Klee (1879-1940) e Sonia Delaunay (1885-1979).
Paul Klee - 'Jovem palmeira' (1929) - aquarela e grafite s/ papel - Foto: Simone Catto |
Sonia Delaynay - 'Disco Portugal' (1915) - têmpera s/ papel - Foto: Simone Catto |
Se você mora em São Paulo ou está
temporariamente na cidade, vale a pena conferir a exposição, lembrando que a
entrada é franca e o museu fica a meio caminho entre as estações de metrô Santa Cruz
e Vila Mariana. Depois ainda dá para tomar um cafezinho por lá mesmo!
Anote: 'TESOUROS DA FUNDAÇÃO MAPFRE – OBRAS SOBRE PAPEL'. Museu Lasar
Segall – Rua Berta, 111 - Vila Mariana. Tel.: (11) 2159-0400. Abre de quarta a segunda, das
11h às 19h. Entrada franca. Até 28/8.
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