No post anterior, publiquei a primeira parte da
resenha sobre uma exposição imperdível em São Paulo: 'O triunfo da
cor', que reúne 75 obras pós-impressionistas de mais de trinta artistas no
Centro Cultural Banco do Brasil. Falei sobre o pontilhismo
e a cor "científica", abordei o grupo de Pont-Aven e mostrei,
também, algumas obras de Vincent Van
Gogh e Paul Cézanne presentes na mostra. Num outro post, os fauvistas são o tema.
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Foto: Simone Catto |
Agora chegou a vez de um setor da exposição que muito me impressionou: o dos
pintores nabis. Tudo começou quando Paul Sérusier (1864-1927), após sua temporada
em Pont-Aven, retornou a Paris em outubro de 1888 com uma pequena pintura criada
conforme os novos princípios de Paul Gauguin e a mostrou a seus colegas da
Academia Julian. O quadro, uma paisagem do bosque d'Amour intitulada O
Talismã, está na origem da criação do grupo dos nabis (da palavra "Nev'im", que significa "profetas", em hebraico).
Esses artistas, que se consideravam os "profetas de uma nova arte", defendiam
uma concepção decorativa da pintura, na qual a cor teria a função de realçar o
tema.
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Paul Sérusier - 'O Talismã, o Rio Aven no bosque d'Amour' - outubro de 1888 - Musée d'Orsay |
Temos duas correntes de nabis:
aqueles que eram mais afeitos às temáticas religiosas, esotéricas e abstratas,
tais como Sérusier, Paul Ranson (1864-1909), Maurice Denis (1870-1943) e Ker-Xavier Roussel (1867-1944), e também aqueles que apreciavam mais as
questões íntimas da vida moderna e cotidiana, representados por Édouard Vuillard (1868-1940), Pierre Bonnard (1867-1947), Aristide Maillol (1861-1944) e Félix Vallotton (1865-1925). Ora suaves, ora vivas, as cores sempre
expressam com emoção as visões do grupo. Denis, Bonnard, Valloton e Vuillard
preferiam as cores subjetivas que conferiam a suas telas uma iluminação
misteriosa. Todos eram admiradores de Odilon Redon (1840-1916), o artista
simbolista que usava um cromatismo sofisticado para conferir a suas pinturas uma
dimensão sobrenatural e paradisíaca.
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Pierre Bonnard - 'Interior, mulher e crianças' (1899) - óleo s/ cartão colado em madeira parquetada - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto |
Um dos artistas nabis que mais me fascinaram na exposição é Maurice Denis. Por vezes ele utilizou
cores em transições suaves, e por outras aplicou na tela blocos de cores
contrastantes realçadas pelo contorno preto em algumas figuras. Na tela abaixo,
Denis retrata as musas das artes e da
ciência, tema emprestado da mitologia clássica, mas as musas vestem trajes
contemporâneos e estão em um terraço de Saint-Germain-en-Laye, cidade onde o
artista passou toda a sua vida. Se não lêssemos o título da obra, dificilmente identificaríamos
as mulheres como musas. Toda a pintura tem um tom meio sóbrio e outonal. As
cores são aplicadas de forma homogênea e as figuras são bem delimitadas. O
espaço carece de profundidade nesse "bosque sagrado" onde ocorre uma revelação ou "comunicação misteriosa entre os personagens, a natureza e as forças
sobrenaturais", segundo o texto da exposição.
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Maurice Denis - 'As Musas' (1893) - óleo s/ tela - Musée d'Orsay Foto: Simone Catto |
A obra abaixo chama-se Tarde de outubro e era,
originalmente, um painel para a decoração do quarto de uma jovem. Essa pintura
foi criada num momento em que a arte de Denis tornava-se mais sintética e, ao
lado de outros jovens artistas do grupo nabis, priorizava as obras de arte
decorativas. O pintor Jan Verkade (1868-1946) chegou mesmo a proclamar à época: "Um grito de guerra foi lançado de ateliê
em ateliê: basta de quadros de cavalete (...) agora serão apenas decorações".
As mulheres, etéreas, não têm rostos, e "a paleta dos tons madrepérola e
acastanhados, trabalhados em degradê, cria um cromatismo requintado, que
contribui para a serenidade do conjunto" – segundo o texto da exposição. Além
disso, "o movimento sutil dos arabescos nas silhuetas femininas" e as ranhuras
em estilo japonês nos caules das castanheiras já preconizavam o movimento Art
Nouveau que viria a seguir.
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Maurice Denis - 'Tarde de outubro' (1891) - óleo s/ tela - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto |
O Retrato de Yvonne Lerolle de três formas, abaixo, é uma
homenagem do artista à sua amiga Yvonne, filha do mecenas Henry Lerolle. Atrás
do retrato central, duas outras imagens da moça se encaixam numa paisagem onde
diversos e belos tons de azul predominam sobre os verdes. Essa tripla
representação de Yvonne em diferentes fases da vida mostra o gosto de Denis por
representações alegóricas dos diversos momentos da existência e nos faz
lembrar, como Mallarmé e Proust, que a "verdade de uma pessoa" é a somatória de
seus sucessivos ressurgimentos, conforme explica outro texto da mostra.
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Maurice Denis - 'Retrato de Yvonne Lerolle de três formas' (1897) - óleo s/ tela Musée d'Orsay - Foto: Musée d'Orsay |
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Foto: Simone Catto |
As pinturas de Denis a seguir não são menos expressivas, apesar de suas
pequenas dimensões: elas são bem menores que as anteriores, possuindo apenas
cerca de 25 cm a 30 cm. O colorido intenso e a riqueza simbólica, no entanto,
saltam aos olhos nessas pequenas joias.
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Maurice Denis - 'A oferenda no calvário' (1890) - óleo s/ tela - Musée d'Orsay Foto: Simone Catto |
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Maurice Denis - 'Mancha de sol no terraço' (1890) - óleo s/ cartão - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto |
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Maurice Denis - 'Na janela do trem' (1890) - óleo s/ madeira - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto |
Outros dois nabis, Édouard
Vuillard e Félix Vallotton, se
notabilizaram pelas cenas de intimidade nos interiores de residências nas quais
representaram parentes ou amigos como se estes estivessem num cenário de teatro. A
temática das pinturas de Vallotton, com seus personagens solitários e sua
quietude, me evocaram algumas telas de Edward Hopper, o hiper-realista
americano da geração seguinte.
A pintura a seguir mostra a esposa de Vallotton, Gabrielle, procurando
algo num armário, de costas para o espectador. Gabrielle Rodrigues-Henriques,
com quem o artista se casou em 1899, era filha do marchand Alexandre Bernheim.
Não foram raras as vezes em que Vallotton retratou, com uma certa mordacidade,
o estilo de vida burguês no qual havia se inserido.
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Félix Vallotton - 'Interior, mulher de azul vasculhando um armário' (1903) óleo s/ tela - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto |
É Gabrielle quem aparece novamente na pintura abaixo, como mera
coadjuvante para o cenário em que se encontra. Ela está de escanteio, penteando
os cabelos enquanto provavelmente mira-se no espelho de sua penteadeira, e os
braços para cima sequer permitem que vejamos seu rosto. Parece que o verdadeiro "modelo" do quadro é o dormitório, notadamente a poltrona "bagunçada" que ocupa
o centro da tela. À esquerda está uma caixa de costura entreaberta, e à direita
a cama está desarrumada. Os tons de rosa criam uma harmonia sofisticada com os de azul, e o conjunto todo transmite uma sensação cálida de conforto e
intimidade. Exibido no primeiro Salão de Outono de Paris, em 1903, esse quadro
obteve um sucesso considerável devido à simplicidade de seu tema e ao
virtuosismo técnico do artista.
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Félix Vallotton - 'Mulher se penteando' (1900) - óleo s/ cartão - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto |
Até 1902-1903, Vallotton
pintou vários quadros representando sua esposa e seus filhos, bem como parentes
de Gabrielle. Na pintura abaixo, sua sogra Henriette
Bernheim aparece de costas jogando cartas com outros membros da família.
Vale ressaltar que nessa época a relação entre o artista e a família da esposa
começava a se deteriorar, e o texto da exposição menciona um certo "mal-estar que se cristaliza na distorção
do espaço e na presença transbordante dos móveis" e também o "aspecto
enclausurado da sala, com sua tapeçaria e a cortina fechada". Será que a
disposição dos elementos na tela realmente traduz um mal-estar do artista? Ou
ele estava apenas sendo moderno? A minha percepção pessoal, pelo menos, não é de
opressão, e sim de quietude e concentração no jogo.
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Félix Vallotton - 'Jogo de pôquer' (1902) - óleo s/ cartão - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto |
Édouard
Vuillard passou a frequentar o grupo dos nabis em 1899 e o autorretrato abaixo é uma das obras
mais célebres e radicais dessa época. As formas são simplificadas ao extremo e
o rosto é constituído por camadas de tinta sobrepostas. A depuração das linhas,
a intensidade das cores e a exacerbação dos componentes plásticos resultaram num
autorretrato de grande intensidade e força expressiva. (Em tempo: achei-o parecido com Van Gogh nesse autorretrato!)
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Édouard Vuillard - 'Autorretrato octogonal' (c. 1890) - óleo s/ cartão colado em madeira compensada - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto |
Entre 1891 e 1892, o leito
doméstico foi um tema recorrente em obras de pequeno formato de Vuillard. Na pintura abaixo, os blocos
de camadas densas de tinta, firmemente destacados uns dos outros, quase criam
uma ilusão de relevo. As formas são simples, os elementos são parcos e o leque
de cores é voluntariamente restrito, mas isso basta para captarmos o momento e
a situação que o artista quis retratar. Essa simplicidade, frugalidade e
contenção nos deixam entrever, também, uma nítida influência da pintura japonesa.
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Édouard Vuillard - 'O sono' (c. 1892) - óleo s/ tela - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto |
Mas
a exposição não para por aí! Clique AQUI para ler a resenha sobre os FAUVES e AQUI para saber um pouco sobre os PONTILHISTAS e a ESCOLA DE PONT-AVEN.
Só
para lembrar: a exposição O TRIUNFO DA COR vai até 7/7 no Centro Cultural Banco
do Brasil: Rua Álvares Penteado, 112 – Centro. Abre de quarta a segunda-feira,
das 9h às 21h. A entrada é franca, mas, para evitar filas, reserve sua
visita pelo site: www.culturabancodobrasil.com.br. Não deixe de ir!
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