domingo, 19 de junho de 2016

A cor explode em espetáculo com os fauves do CCBB.

A exposição O triunfo da cor, no Centro Cultural Banco do Brasil, está dando o que falar – e o que "escrever", também! Distribuída em setores para mostrar diferentes escolas e vertentes da arte pós-impressionista, ela nos oferece grande riqueza de obras pertencentes ao Musée d’Orsay e ao Musée de l’Orangerie, em Paris, além de farto material informativo. São 75 obras no total, mas há tanta coisa interessante para mostrar que precisei desmembrar minha resenha em três partes. Esta é a segunda delas e o tema, agora, são os nossos queridos fauvistas, artistas do instinto e da emoção que explode em cor. A revolução cromática que esses artistas empreenderam na virada do século XIX para o XX, com suas camadas de cores puras e agressivas, estabeleceu uma linguagem expressiva autônoma em que as sensações visuais adquiriram primazia absoluta.

Prazer duplo: pela exposição e por esse espaço maravilhoso! - Foto: Simone Catto

Vamos começar com Maurice Vlaminck (1876-1958) que, ao lado de Henri Matisse (1869-1954), André Derain (1880-1954) e Raoul Dufy (1877-1953), entre outros, chocou o público do Salão de Outono de Paris em 1905 ao expor telas escandalosamente coloridas. O crítico de arte Louis Vauxcelles chamou a sala onde elas estavam expostas de "cage aux fauves", que significa "jaula de feras selvagens". Daí surgiu o termo "fauves" ou "fauvistas". Mal sabia o crítico o quanto essas obras, com suas cores puras e sua luminosidade intensa, seriam apreciadas e valorizadas anos mais tarde!

A tela abaixo, de Vlaminck, é uma natureza-morta em que os objetos estão expostos em diferentes perspectivas, lembrando a estética de Cézanne. Vlaminck contrapõe o azul e o laranja, o frio e o quente, a luz e a sombra. O quadro acima da travessa de frutas aparece completamente torto e a travessa está quase caindo da mesa, como se o ambiente estivesse sofrendo o efeito de um terremoto. E foi exatamente um "terremoto" o que esses artistas causaram! Ousados e determinados, eles libertaram  seus instintos mais "selvagens" em suas telas - ainda bem! Nem quero imaginar o que aconteceria se toda aquela cor ficasse enclausurada no cérebro!

Maurice Vlaminck - 'Natureza-morta' (c. 1910) - óleo s/ tela - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto

Henri Matisse, talvez o mais popular do fauves, ficou conhecido por suas representações de sensuais odaliscas. A exposição do CCBB conta com uma tela muito famosa do mestre, a Odalisca com calça vermelha, obra-prima pertencente ao Musée de l’Orangerie, em Paris. A obra prenuncia o retorno do artista ao figurativo, entre 1917 e 1929, e os motivos decorativos predominam em todo o espaço pictórico. Os alegres e exuberantes tecidos das cortinas, com seus florais e arabescos ao lado do papel de parede, quase ofuscam aquele que é o tema principal do quadro, a odalisca toda à vontade refestelada no divã. O eclipse da moça só não foi completo porque suas calças vermelhas realmente "gritam" para nós, clamando por nossa atenção. Nesse duelo, o tecido do divã, com suas listras amarelas, vermelhas e verdes, também contribui para guiar nosso olhar para a odalisca. Digamos que deu empate, ficou meio a meio! (rs). O fato é que Matisse fez algumas viagens ao Marrocos e ficou fascinado com o que encontrou naquele misterioso país, trazendo exuberantes acessórios, tecidos e cortinados para compor o cenário de suas pinturas. Note que o rosto da modelo se limita a uns poucos traços, dando-nos a impressão de que ela serviu de mero pretexto para realçar aquilo que realmente importava para o artista: o decorativo e a cor.

Henri Matisse - 'Odalisca com calça vermelha' (c. 1924-1925) - óleo s/ tela - Musée de l'Orangerie
Foto: Simone Catto

Foto: Simone Catto

A tela abaixo, de André Derain, mostra a ponte de Charing Cross, em Londres. Derain passou duas temporadas na capital britânica, onde produziu cerca de trinta telas. Essa pintura é uma das mais bem-sucedidas da época e tornou-se um símbolo do fauvismo. Nesta paisagem urbana vista do alto, ele simplificou e deformou alguns elementos, como os veículos tombados para a esquerda cuja forma segue a curva do cais Victoria para transmitir uma sensação de velocidade.

André Derain - 'A ponte de Charing Cross' (c. 1906) - óleo s/ tela - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto

Temos também o lituano Chaïm Soutine (1893-1943), de família de judeus ortodoxos, que felizmente se mudou para Paris com cerca de 20 anos de idade e ali conquistou a liberdade para desenvolver sua arte. O buquê de flores abaixo chamou muito minha atenção e sabemos que, antes de 1917, desde sua chegada a Paris, Soutine pintou vários buquês de flores. Não deve ser por acaso que as flores de Soutine tenham florescido justamente em Paris, já que foi lá que ele conquistou sua liberdade artística! No início, elas eram inseridas em naturezas-mortas complexas, mas, pouco a pouco, os outros objetos dos cenários foram desaparecendo e as flores passaram a reinar absolutas. Esse é o caso da pintura abaixo, Gladíolos, em que o vaso foi deslocado para o canto inferior direito da composição e as flores ocupam três quartos do espaço. O fundo marrom escuro cria um contraste com o vermelho e realça a beleza dos exuberantes gladíolos, valorizados por pinceladas largas, densas e inquietas.

Chaïm Soutine - 'Gladíolos' (1919) - óleo s/ tela - Musée de l'Orangerie - Foto: Simone Catto

József Rippl-Rónai, outro artista do grupo dos fauves, tem uma história muito singular. Em 1914, ele teve a infeliz ideia de viajar a Paris com sua esposa e a filha adotiva para rever seus amigos nabis, Maurice Denis, Vuillard e Maillol. Bem naquele momento, a França estava entrando na I Guerra Mundial. O conflito surpreendeu o artista em Issy-L'Évêque, cidade natal de sua esposa, onde recaiu sobre ele, um estrangeiro, a suspeita de ser um espião austro-húngaro. Rippl-Rónai precisou então se isolar na região do Mâcon durante vários meses, e lá pintou diversas composições sobre o tema da guerra, como a tela abaixo. Nela está representado um batalhão de soldados franceses, reconhecíveis por suas calças de vermelho vivo, de partida para o front.

József Rippl-Rónai - 'Soldados franceses em marcha' (1914) - óleo s/ cartão - Musée d'Orsay
Foto: Simone Catto

Os fauvistas, com sua exuberância, constituem apenas uma parte da exposição. Há muito mais para ver! Para conhecer alguns dos artistas NABIS, clique AQUI.

E AQUI, conheça um pouco sobre os PONTILHISTAS e outros artistas na mostra do CCBB.

A exposição O TRIUNFO DA COR vai até 7/7 no Centro Cultural Banco do Brasil: Rua Álvares Penteado, 112 – Centro. Abre de quarta a segunda-feira, das 9h às 21h. A entrada é franca, mas é aconselhável reservar sua visita pelo site: www.culturabancodobrasil.com.br. Não perca!

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