Alphonse Mucha - cartaz para 'Gismonda', 1894 |
No universo de Mucha, o arabesco é o principal motivo decorativo e, não por acaso, se tornaria a assinatura do movimento Art Nouveau. O corpo da mulher, quando não está serpenteado e quase fundido aos contornos de uma luxuriante vegetação, ganha sensualidade e volúpia graças a um sutil jogo de curvas. Mucha engendra, assim, um novo ideal feminino que encarna uma beleza em harmonia com a Natureza, a qual, por si mesma, inspira toda a criação artística.
No cartaz abaixo, o cabelo da mulher, contornado por linhas negras, escapa revolto e invade com rebeldia várias porções do quadro, como se quisesse reclamar a posse do espaço. Quando o artista abandona o mundo da publicidade e se dedica à glória dos povos eslavos após 1910, fará com que a mulher continue a encarnar uma mensagem inspirada, porém sem a efervescência que caracteriza sua produção parisiense de 1894 a 1902.
Alphonse Mucha - cartaz publicitário para o cigarro 'Job', 1896 |
2. O halo, um sinal místico
Se você reparar, várias das mulheres de Mucha são circundadas por um halo adornado com motivos estilizados. Falamos então de "estilo Q": o corpo feminino constitui a “perninha” da letra, como o cartaz ‘La Danse’, abaixo. O artista chega a brincar com esse traço em seus autorretratos fotográficos, também se enquadrando nesse motivo circular. Embora realmente fascinado pela estética e pela mística da Igreja Católica, Mucha é movido acima de tudo por valores humanistas e espirituais. Está em busca de uma verdade universal, livre de diferenças culturais e religiosas. Se seu duplo envolvimento com a maçonaria e o misticismo pode parecer contraditório à primeira vista, para ele trata-se simplesmente de uma extensão de sua evolução espiritual. Mucha é um filósofo-artista convencido de que sua arte pode ajudar a criar um mundo melhor.
Alphonse Mucha - 'La Danse', 1898 |
3. A fotografia como ferramenta
O meio fotográfico é fundamental na obra de Mucha, tão onipresente em seu trabalho quanto o esboço preparatório, o que fica evidenciado pelos “quadrados” que desenha diretamente em uma impressão antes de transpor uma figura para a tela. Com um gosto muito pronunciado pela direção e pelo cinema, ele mobiliza, para tirar suas fotos, os amigos (Gauguin, por exemplo), modelos profissionais, sua família (a esposa Maruška e a filha Jaroslava) e conhecidos que encontra durante suas viagens aos países do Leste, Balcãs e Rússia. A Fundação Mucha em Praga guarda mais de 2.000 dessas fotos, uma coleção na qual o artista compunha cenas como se fossem peças de quebra-cabeças.
Mucha et Jaroslava posando para o cartaz 'De Forest Phonofilm', um dos primeiros filmes falados transmitidos em Praga, c.1927. |
4. A exaltação da cultura eslava
Quando Mucha chegou a Paris, em 1887, era cidadão do Império Austro-Húngaro. A progressiva afirmação de uma identidade eslava e o despertar nacional passam, então, pela valorização do folclore e das tradições populares. Mucha reforça esse nacionalismo quando se retrata vestindo a camisa russa "rubashka" ou então vestindo suas modelos com trajes adornados com bordados tradicionais. Seu compromisso é tão forte que, quando a independência da Tchecoslováquia foi proclamada em 1918, ele desenhou selos comemorativos e papel-moeda. Mas seguindo sua concepção universalista, também incorpora motivos ornamentais de outras culturas - celta, grega, islâmica, japonesa, egípcia - com destaque para Bizâncio, que o artista considera como o alicerce da cultura eslava.
Alphonse Mucha - 'Rêverie', 1897 |
5. Um espaço pleno de símbolos e ornamentos
A abundância de detalhes e a riqueza ornamental contribuem para a exuberância decorativa, tanto que o tema feminino acaba se confundindo com o fundo. Mucha leva esse gosto pela decoração ao extremo também na criação de joias fantásticas, embora as únicas que veriam a luz do dia são aquelas encomendadas pelo joalheiro Georges Fouquet para a Exposição Universal de 1900, para sua boutique na rue Royale e para a onipresente musa Sarah Bernhardt. Todos esses trabalhos têm uma leitura dúbia: aqui e acolá, Mucha insere símbolos místicos, tais como a estrela de seis pontas, a lua, o sol e a roda; ou então elementos maçônicos, como folhas de louro, o triângulo e ícones egípcios.
Alphonse Mucha - 'O Zodíaco', 1896 |
6. A reinvenção ousada do pôster
Enquanto Jules Chéret e Henri de Toulouse-Lautrec dominam o gênero pôster, um com suas “chérettes” (jovens vedetes com as pernas de fora) e o outro com suas cores planas, Mucha abre um novo caminho. Quando Sarah Bernhardt deseja relançar sua peça ‘Gismonda’ entre o Natal e o Ano Novo de 1894 com um novo pôster publicitário, o gráfico Lemercier recorre a Mucha porque ele era o único artista disponível no período das festas. O resultado é conhecido: a "Divina" Sarah fica enfeitiçada e compreende imediatamente a originalidade desse artista que ousou propor para o cartaz um formato estreito e alto no qual inscreve a atriz, como um ícone, com cores suaves e detalhes fortes. O sucesso é tanto que o público tenta subornar os funcionários que colam os cartazes nas ruas de Paris ou acorrem à oficina gráfica de Lemercier para conseguir um exemplar. E assim nasce uma lenda.
Fonte: Beaux Arts Magazine